terça-feira, 17 de novembro de 2020

Política se faz no dia a dia

 

A partir de 2013, com as bombásticas manifestações que ocorreram país afora, as pessoas, especialmente os jovens, passaram a ser mais presentes no campo da política, e isso tem o lado bom e o lado negativo, como já afirmei em artigo passado. O lado bom resta evidente: a participação num assunto de interesse coletivo. O lado negativo, por outro lado, é que as coisas foram atropeladas. As pessoas, de um modo geral, que nunca tiveram interesse nesse tipo de assunto, ascenderam nele repentinamente, e raivosas. O “repentinamente” é ruim pelo fato de as pessoas terem embarcado numa onda massiva, sem com isso entenderem muito daquilo que replicavam, e o “raivosas” é ruim pelo fato de que política é a arte do diálogo, com prudência e com discernimento.

Se perguntarmos por aí o que é realmente direita e esquerda, certamente poucos saberão; se perguntarmos por aí o que é, de fato, fascismo, comunismo e nazismo, certamente poucos saberão; se perguntarmos por aí as diferenças objetivas entre os variados sistemas políticos existentes, certamente poucos saberão; se perguntarmos por aí a diferença entre sistema econômico liberal e conservador, certamente poucos saberão; se perguntarmos por aí a diferença entre socialismo utópico e socialismo científico, certamente poucos saberão. E são essas pessoas que estão nas redes sociais vociferando e dando discursos. É claro que todos têm o direito de se expressar, e o tema da política não é exclusividade de quem estuda, mas o cidadão faria muito bem conhecer sobre o tema que aborda.

Mas o pior de tudo não é isso, e agora chego ao ponto que gostaria. Política se faz no dia a dia, no corpo a corpo, no contato, na empatia, na prática cidadã, na luta..., política não deveria ser feita atrás de escudos, como celulares e computadores. Essa prática no dia a dia, sim, está ao alcance de todos, conhecendo ou não os conceitos políticos que mencionei acima. E quando me refiro às práticas do cotidiano, não me refiro a sair levantando bandeiras de partidos políticos pelas ruas ou gritando palavras de ordem. Para participar do bom funcionamento da coisa pública não é necessário subir em palanques partidários. Aquelas pessoas que estão no dia a dia dos trabalhos em prol de sua comunidade (e aqui utilizo o termo “comunidade” de forma ampla, e não como sinônimo de periferia, como erroneamente se faz por aí) fazem política; aquelas pessoas que fazem algum trabalho voluntário em alguma ONG fazem política; aquelas pessoas que dedicam algum tempo de sua vida a fazer algum trabalho social fazem política; aquelas pessoas que não aceitam práticas anticidadãs no dia a dia fazem política.

Já pensei eu, no passado, que ser um contribuinte como cidadão trabalhador era suficiente, e que já estaria fazendo, portanto, minha parte, uma vez que através desses impostos o governo promove a contrapartida aos munícipes. Mas eu estava errado. Pagar impostos corretamente não basta. É preciso lutar pelas melhorias públicas, estar a par e ser parte do andar da carruagem das decisões políticas que nos envolve, sejam elas na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa, no Congresso Nacional ou mesmo na direção do posto de saúde de seu bairro ou na escolha de conselhos gestores diversos.

Você, leitor, sabe ao menos o nome do subprefeito da região onde está seu distrito? Sabe o que é distrito? Sabe o nome do diretor da UBS de seu bairro? Já fez algo por sua comunidade? Já fez algo pelo próximo, sem ser dar esmola no farol, o que só aumenta a miséria? (Quem afirma sobre o aumento da miséria não sou eu, mas, entre outros, Malthus, Keynes e Dostoiévski.)

Pois bem, comece por aí. Faça política de verdade! Gritar na frente do computador é muito cômodo e não contribui em nada para a melhoria de seu bairro, menos ainda de seu distrito, menos ainda de seu município, menos ainda de seu Estado e muito menos de seu país. É fácil fazer propaganda de candidato A ou B e entrar em brigas e fazer inimizades, é fácil bater no peito e menosprezar a opinião alheia, mas no fim tudo isso não passa de promoção pessoal e de uma tentativa de se autoconvencer de que se está fazendo algo de bom. Não está!

terça-feira, 10 de novembro de 2020

A saúde pública municipal

 

Aqueles que não possuem convênio médico, e que, portanto, estão nas mãos do serviço público de saúde, precisam ficar atentos a alguns pontos. (Num próximo artigo posso dissertar um pouco sobre o mal que os convênios exercem sobre o SUS, com o aval, infelizmente, do próprio governo, e como os convênios são usados para furar filas de quem depende do serviço público.)

Pois bem, são dois pontos que quero ponderar, deixando claro de antemão, porém, a importância do SUS em nosso país:

1- A saúde pública municipal (e aqui me atento ao município pelo fato de estarmos diante de eleições municipais) é privatizada. Então de quem é a culpa do mau funcionamento do serviço público? Do governo ou do setor privado? Muitos candidatos, que se dizem liberais (talvez sem nunca na vida terem lido Keynes) difamam o Estado e exaltam a iniciativa privada, sem se dar conta de que esta já está incrustada na vida do cidadão. Essas entidades privadas não constroem nada em benefício do cidadão, elas pegam tudo pronto. Isto é, o governo cria, e as tais entidades apenas chegam e sentam na janela para administrar o que já está pronto, muito porcamente, diga-se de passagem. Não sou contra qualquer iniciativa privada, veja bem. Empresa é criada para ter lucro, apesar de nesse caso ser sobras, e não lucros, já que essas entidades teoricamente não possuem fins lucrativos. O que eu critico aqui então é a mistura público-privada, refiro-me aqui às associações de direito privado e ao governo que permite essa mistura deletéria.

Jamais deveria ser permitido misturar público e privado, e os governos comentem um erro fatal ao entregar um serviço que deveria ser de sua única incumbência a entidades privadas que parecem somente almejar ganhos – apesar de, repito, teoricamente serem sem fins lucrativos – em cima da vida do mais vulnerável. O governo com isso lava as mãos e assina sua própria incompetência administrativa. O candidato que entrou lá, entrou para administrar, mas ao invés de cumprir seu papel de administrador, terceiriza sua função. Nesse caso, ambos, o público e o privado, são culpados, portanto! Sem contar que o serviço privatizado sai muito mais caro para o bolso do contribuinte do que se fosse apenas público, apesar de alguns políticos – que provavelmente faltaram nas aulas de matemática do ensino básico – dizerem ser mais barato. Não é!

Todo candidato da oposição desses supostos liberais, por outro lado, sempre critica a entrega dos equipamentos públicos à mão dessas associações que nada constroem, mas, de outro modo, quando eventualmente assumem um mandato, nenhum deles extirpa essas OSs (organizações sociais) de vez do serviço público. É como criticar a reeleição, mas se valer dela ao estar no cargo. Hipocrisia! Percebe, leitor, como está tudo errado, tanto o modus operandi do serviço público, como os candidatos das mais variadas vertentes em sua exagerada demagogia eleitoral?

 2- Para se conseguir um agendamento com um médico no serviço público (que na verdade é privado), a pessoa leva um tempo que às vezes ela não tem. Veja o processo:

Se for com um especialista, ela não pode agendar diretamente com ele, mas precisa conseguir antes passar com um clínico geral. Para isso, essa pessoa precisa ir até uma UBS tentar o agendamento com o tal clínico, ao chegar lá, muito possivelmente ouvirá que a agenda dos clínicos já está preenchida, e que, portanto, ela precisa aguardar até a próxima abertura, que geralmente acontece uma vez por mês. A pessoa então tem de retornar à UBS na data sugerida, mas precisa chegar o mais cedo possível, uma vez que a agenda é preenchida em poucas horas, e depois só no mês seguinte de novo. (Claro que sempre é possível entrar na fila de espera de desistência, mas veja a humilhação.)  

Pois bem, se a pessoa der sorte e conseguir uma data com o clínico geral, não será para tão breve. Então no dia da consulta ela vai até o posto de saúde e passa com o médico, que aí sim lhe dará um encaminhamento (uma espécie de aval) para o tal especialista. O paciente então, com o encaminhamento em mãos, vai até uma sala apresentá-lo a uma pessoa responsável, que verá se há ou não vaga em alguma unidade de saúde da cidade (isto se não a mandarem diretamente até uma dessas unidades tentar a sorte diretamente). Se, porventura, e com sorte, houver uma vaga disponível, muito raramente será próximo de sua casa e numa data próxima.

Chegou o dia da consulta, o paciente vai até a unidade de saúde para sua consulta. O especialista possivelmente vai pedir um exame. O paciente pega o pedido, vai até a recepção e lá tenta a sorte de ter uma vaga para fazer o tal exame. Muito provavelmente não será perto de sua casa, nem para tão já. No dia do exame, ele o faz, mas o resultado só pegará dali a alguns bons dias. Com o resultado em mãos, enfim, ele precisa ainda marcar retorno com o especialista para que este o analise. Dali em diante pode ser tudo muito relativo.

Caro leitor, acompanhou a saga e a humilhação do paciente?

Para finalizar, eu deixo alguns pontos para análise, sem quaisquer acusações.  

1- No convênio médico, a pessoa consegue marcar consulta com um especialista com apenas um clique, possivelmente para o dia seguinte e bem próximo de sua casa. A vida é muito mais fácil, portanto. Questão: há alguém do setor privado incrustado no governo e boicotando o serviço público para obrigar as pessoas a assinarem com um convênio médico? A mesma pergunta serve para o setor da educação. E aqui todo mundo sabe a força do lobby.

2- As associações que assumem a tal terceirização pública dão um atendimento humilhante às pessoas de propósito para obrigá-las a procurar um serviço privado? Muitas vezes no consultório particular dos próprios médicos?

3- Os políticos, pessoal ou partidariamente, que entregam as pessoas na mão dessas entidades têm contrapartida dos responsáveis por elas?

4- Por que alguém iria querer pegar uma UBS para administrar, sabendo a encrenca que é lidar com saúde pública? Qual é o acordo sedutor feito entre as associações e o governo?

5- Quais são os termos obscuros nesses editais? Ou será só um aperto de mão?

6- Por que a saúde pública e seu atendimento nunca têm uma melhora significativa?

Se você notar, caro leitor, em todo debate de eleição municipal, a saúde é um assunto importante, e todos eles, de todas as vertentes ideológicas, acusam o oponente pelos maus serviços e prometem melhorar a saúde pública, das mais variadas formas possíveis. Um diz que vai tornar os postos de saúde 24 horas, o outro diz que vai zerar a fila de exame, o outro vai ampliar ou encerrar a parceria com o setor privado etc. Mas o ponto é que nunca nada avança substancialmente, e cada um deles quando precisa de um médico vai a hospitais privados caros, que, diga-se de passagem, também têm acordos grandes com o governo. Possivelmente, nenhum desses agentes públicos conhece a saúde pública de fato, e devem rir de nossa cara em seus domingos de sol na piscina de seus seguros condomínios.

E agora vem a pergunta final.

Quem é mais canalha nessa história toda?

 

Política partidária versus arte na rede

 

A rede social no Brasil existe há quase vinte anos, mas foi a partir de 2013 que o assunto política invadiu os “sites” de relacionamento massivamente. Naquele ano houve estrondosos protestos espalhados pelo país com variadas reivindicações, apesar de o estopim ter sido o aumento nas passagens de ônibus em diversos municípios. De repente estavam sobre a laje do Congresso Nacional. Até hoje muita gente não entende o que os grupos que saíram às ruas queriam de fato, inclusive eu. O ponto é que repentinamente a maior parte das pessoas, que até então se ocupava com tudo menos com política partidária, passou a debater temas político-sociais. Isso não é de todo ruim – caso a pessoa se debruce na matéria, obviamente, coisa que claramente não vimos –, o ruim é o meio e a forma com que as pessoas passaram a discutir o assunto: com o estômago e sob o escudo das redes sociais, isto é, as piores combinações possíveis. Sem mencionar o fato, ainda, de que ninguém desses que todos defendem nessas redes foi beneficiado em algum momento. São brigas que têm o fim em si mesmas, portanto.   

Não são tempos fáceis, apesar de já ter havido piores. Ninguém ainda parece ter dominado de fato o uso dos mecanismos tecnológicos digitais de massa, especialmente quando se trata de relacionamento. As informações são instantâneas e as pessoas estão conectadas entre si o tempo todo. Segundo o “site” O Globo (2019), o Brasil é o segundo país que mais passa tempo nas redes sociais, e isso não é bom. Se pelo menos não houver discernimento, as brigas por assuntos quaisquer serão mesmo certas e infindáveis. Se há algo que pudemos aprender nos últimos sete anos, a política (e aqui falo de modo geral) não é saudável se feita através da internet. Talvez possa ser um dia, mas ainda não temos essa capacidade. Ela só faz criar inimizades, intrigas, debates supérfluos e de baixo nível e discussões que não saem dali. A política se faz no dia a dia, na luta pelo próximo, no corpo a corpo da rotina do mundo, e não vociferando atrás de monitores. Não quero aqui coibir as pessoas de se expressarem, mas debater sobre o que não se sabe direito ou sobre o que aprendeu superficialmente lendo blogs ou afins não tem outro resultado senão motins descabidos.

E eu então pergunto: por que não usar esse tempo todo que se passa nas redes sociais para fazer amizades saudáveis, compartilhar materiais sadios e complementar o bom conhecimento? Apesar da crise educacional, e consequentemente cultural, pela qual passamos, bons artistas surgem quase o tempo todo, mas perdem espaço naquilo que seria o melhor meio de divulgação de sua arte: a rede social. E perdem espaço para as incontáveis baboseiras que contaminam a internet.

Com tudo isso, o que é mais salutar compartilhar nas redes: arte ou política?

P.S. Você que vive brigando pelo próximo nas redes sociais, já fez algo pelo próximo além do monitor? Você é importante para sua comunidade? Quem é o subprefeito de seu distrito?

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Liberdade de cátedra

 

Caro leitor, começo este breve artigo com uma pergunta objetiva: você já ouviu falar na liberdade de cátedra? A Constituição de 1988 diz em seu artigo 206:

II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.

A palavra-chave aí é, sem dúvida, “liberdade”. Como anda a liberdade do professor nas aulas virtuais, nesses tempos de pandemia? Resposta: ele praticamente não a possui.

O professor tem sofrido uma marcação cerrada durante suas aulas. Além do fato de as aulas serem uma tremenda bagunça, algo que eu já mencionei no artigo anterior, intitulado “Pobre educação”, essas mesmas aulas sofrem quase o tempo todo a influência dos pais, que vez ou outra se sentem na liberdade de interferir no andamento das matérias e na dinâmica do professor – quando não diretamente, indiretamente –, sofrem também a influência da escola, que quando não relaxa a esses pais – que, diga-se, geralmente pouco entendem de educação –, monitora integralmente as aulas, eventualmente também interferindo nos assuntos que são de incumbência do professor, e, o que é ainda muito pior, exige que as aulas sejam gravadas.

Algumas almas maldosas poderiam questionar que se o professor é íntegro, ele não tem o que temer. O fato, entretanto, é que a todo momento estão tentando podar o professor e sua matéria, geralmente para atender demandas de pais chatos, o que é extremamente prejudicial para a educação. Ora, se o professor está dando suas aulas na presença de pais e de membros da escola, isto o intimida ou não? Isto intimida ou não os alunos, que seguramente deixarão de falar o que falariam em condições normais? Veja bem, não é questão de esconder o que se tem a dizer, é questão de não trabalhar com um chicote nas costas. Não sugiro aqui que os pais deixem os alunos sozinhos com seus computadores, isso também poderia ser temerário, mas meu ponto é a interferência sem motivo. Ainda, se o planejamento da disciplina é entregue todo início de ano, por que essa interferência quase contínua da escola nas aulas? Se presencialmente não é assim, virtualmente também não deveria ser. Se a escola não confia em seu professor, por que não o dispensa? 

Essa pressão descabida que os pais e a escola estão colocando sobre os ombros do professor é maléfica para as crianças, para a educação e para a Constituição, que se diz democrática, e isso fere, sim, a liberdade de cátedra e a Carta Magna brasileira.

Que isso seja consertado urgentemente e que não vire uma tendência para as aulas presenciais. Estão conseguindo piorar o que parecia que não tinha mais para onde cair: a educação brasileira. Tome tento, sociedade!

 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Pobre educação

 

Em decorrência da pandemia de 2020, as aulas a distância se tornaram regra, ainda que não de forma tão democrática. Foi uma emergência. Compreensível, portanto. Mas se isso virar uma tendência, a educação descerá uma ladeira possivelmente sem volta. E aqui não faço distinção de ensino fundamental ou superior. O estrago será em todos os níveis.

Seis meses depois de as aulas em-rede (online) estarem em vigor, os alunos ainda não criaram disciplina adequada para esse formato. Os pais (sem generalizar) reclamam de qualquer movimento do professor, ou de qualquer nota que eles consideram abaixo do que seu filho “perfeito” mereça, mas sequer ajudam na disciplina dos rebentos para que as aulas funcionem como se espera. É o famoso “eu tenho direitos, mas não deveres”.

Imagine uma sala de aula presencial com os alunos entrando e saindo do espaço livremente a torto e a direito; imagine os alunos deitados, confortáveis, no chão desse mesmo espaço; imagine esses alunos tomando seu lanche durante as aulas; ou, ainda, mexendo no celular durante a explicação do professor; imagine o pai ou a mãe do aluno ao lado dele na sala respondendo as perguntas por seu filho. Após imaginar tudo isso, acha viável um bom aprendizado? As aulas a distância estão nesse nível, e não melhoraram um milímetro sequer desde que começaram. É claro que a longuíssimo prazo isso poderia ser melhorado, criando uma nova cultura, mas eu, com todo meu otimismo, não vislumbro. Com o distanciamento, não há controle, e só é um bom modelo para quem gosta de sistemas anárquicos.

Nas aulas online, muitos alunos nem aparecem, e quando aparecem, surgem quando bem entendem, saem quando bem entendem; não ligam suas câmeras, e com isso certamente não estão presentes, do contrário a ligariam; o professor pode ouvir a voz dos pais (que somente surgem nesses momentos) dando as respostas das questões da aula para seus filhos; de repente, o irmão do aluno, que deixou o microfone aberto, passa atrás gritando, ou o pai começa uma ligação de negócio ao lado. Caríssimo leitor, tudo isso é uma bagunça generalizada. Aprende-se muito pouco, e essas aulas só servem para mostrar que se está tentando fazer alguma coisa. Na prática, porém, não existe nenhuma funcionalidade, e são uma total perda de tempo, além de uma enorme fonte de estresse para os professores, para os alunos, para os pais, para a escola e para a educação.

É melhor ficar sem aula então? Não! O melhor são as aulas presenciais, e essas não podendo vigorar, o melhor são os pais entenderem que as aulas online precisam chegar o mais próximo possível das aulas presenciais, evitando ou minimizando todas as falhas que eu listei acima. Criticar o sistema educacional é fácil, difícil é fazermos nossa parte.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A consequência da alma decadente

Como já afirmei em outras ocasiões, o cinema nacional é grandioso, é belo, é distinto, assim como nossa música, nossa literatura, assim como é a beleza natural que permeia cada canto deste país. Hoje, contudo, as coisas estão bastante deterioradas, é verdade, hoje os filmes, em grande parte, só querem falar sobre banalidades, através de uma comédia de muito mau gosto (já que é isso o que comove as pessoas em sua decadência à procura de amor próprio e bem material); a música parece um túnel sem saída; a literatura anda pobre e sem conteúdo; e a beleza natural é devastada por canalhas e cafajestes, grande parte deles vivendo em Brasília. Mas a deterioração está na alma, a decomposição da arte é apenas consequência. 

Não dá para saber se essa decadência é ou não apenas uma fase. Sabemos que a educação não anda bem das pernas, e se engana quem pensa que a solução está nos colégios privados, porque a quase totalidade deles não presta e é pior que qualquer escola pública, a despeito de, infelizmente, tentarem nos convencer do contrário. O que sabemos de antemão é que essa decadência não é exclusividade brasileira. Coitados dos pobres arrogantes americanos e europeus que sentem pena da América Latina ou do Oriente Médio. Coitadas das pobres almas que pensam, ainda, que a solidão (que não é solitude) é exclusividade das grandes metrópoles, ou que a solução para fugir dessa mesma solidão seja infiltrar-se em aglomerações diversas. 

Sugiro conhecer um pouco mais de nossa bela arte, e aqui deixo uma sugestão cinematográfica: “Noite Vazia” (1964), de Walter Hugo khouri. O filme, à la Bergman, conseguiu escapar da predominância do Cinema Novo da época, e pela ousadia e alta qualidade técnica e de conteúdo merece nossa atenção. A obra, em síntese, retrata a pobreza espiritual da sociedade paulistana daquele momento, mas, como eu disse, essa pobreza excede os limites de qualquer cidade grande. 

Não será fácil sair do buraco no qual entramos, mas o primeiro passo talvez seja parar com a hipocrisia do tal amor próprio, porque enquanto sua alma não aprender que o amor exige entrega e abdicação dos próprios orgulhos; enquanto sua alma não aprender que a saída não está em sua carência exacerbada por companhia; enquanto sua alma não aprender que o amor necessita de reciprocidade, e não é um fim em si mesmo; enquanto em sua alma, por fim, existir esse ódio e essa terceirização de responsabilidade e de culpa, essa decadência jamais terá fim. 

Os artistas, e consequentemente a arte que produzem, não são seres extraterrestres, mas são parte da cultura que criamos ou que adquirimos. Que os grandes artistas que por aqui nos deram a honra de sua passagem não morram jamais, e que sejam conhecidos, especialmente num momento vazio como esse, em que as motivações são torpes, os objetivos, fúteis e a imagem de nossa bela arte, apesar de seu atual momento, é repudiada, especialmente por quem não a conhece de fato. A deterioração está na alma, a decomposição da arte é apenas consequência.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Três gigantes literários e seu contexto

John Steinbeck foi simplesmente perfeito em sua literatura, tanto na parte textual, de técnica e de criação, quanto em suas intenções dignas. Em sua escrita pragmática, lutou através das armas que possuía para combater as injustiças e ficar ao lado dos desvalidos e dos perseguidos. Como disse certa vez Ariano Suassuna: “Eu não tenho poder político, nem econômico, nem nenhum outro, mas tenho uma língua afiada que só a peste, e ela está a serviço de meu país”. Que arma mais bela a de um escritor, e que frase fantástica. 

Em “As Vinhas da Ira”, Steinbeck coloca uma família, os Joad, que se vê obrigada a abandonar sua casa em decorrência da ganância de quem detém o poder econômico, e a viagem à procura de emprego e de sobrevivência é sofrida ao extremo; já em “Ratos e Homens”, o escritor nos apresenta a história trágica de dois trabalhadores rurais que também procuravam formas de sobrevivência, sem nunca, contudo, abandonar o sonho de comprar sua terra; temos também “A Pérola”, livro em que Steinbeck conta a história de um casal de índios que apenas quer curar seu filho, após este sofrer uma picada de escorpião. Mas ao buscar essa ajuda na cidade, só encontra olhares condenatórios. É preciso estômago e sensibilidade para ler Steinbeck. É de chorar! É uma experiência incrível! 

Saindo dos EUA, e atravessando a Europa, chegamos à Rússia. Dostoiévski, que viveu no século XIX, não teve uma vida simples, é notório, nem uma vida muito plácida, é verdade. Era viciado em jogos e tinha muitos problemas de saúde, vivia em dívida, mas sua alma, apesar de turbulenta, era pura, era justa, e combateu ferozmente, através das mesmas armas de Steinbeck e de Suassuna, o regime autoritário de sua época. Foi condenado à morte por isso, e teve sua pena convertida em prisão de trabalhos forçados. Sobreviveu, e produziu obras gigantescas, as melhores da história da literatura em seu segmento. Densa, profunda, ousada, complexa. São os adjetivos que eu daria à obra de Dostoiévski. Diferentemente de Steinbeck, o escritor russo tinha um enfoque maior sobre a alma humana e suas angústias que sobre a temporalidade em si, mas ambos, em síntese, combateram veementemente as mesmas coisas. Freud, leitor assíduo de Dostoiévski, chegou a afirmar que “Os Irmãos Karamazov” era a obra magna da literatura ocidental. 

Terminando nossa volta ao mundo, e chegando a nossa terra, o Brasil, Machado de Assis talvez seja o escritor brasileiro que mais se aproximou dos dois que citei acima, certamente mais de Dostoiévski, já que dissertou brilhantemente sobre questões tão profundas do homem, apesar de também, a exemplo do russo, ter combatido, como Steinbeck, as injustiças de seu tempo. Em sua maior obra, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Machado leva o patamar da literatura brasileira a um nível jamais visto. Tal obra é um divisor de águas, tanto na escrita brasileira, quanto em sua própria carreira. O livro foi tão grandioso e complexo que levou Capistrano de Abreu, historiador cearense, a perguntar ao próprio Machado se a obra era um romance. E que ousadia escrever em primeira pessoa, e que ousadia se colocar no papel de um homem morto. Brilhante! O carioca criticou magnificamente, e com muita classe, as desigualdades sociais e a classe dominante da época, através de uma ironia de muito bom gosto. Uma pena que o longa-metragem, de 2001, transformou-o num circo. 

Numa obra seguinte, Machado de Assis explora a personagem Quincas Borba, já presente em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, teórico do humanitismo – filosofia fictícia criada por ele mesmo. Aqui, o escritor aborda as questões sociais da época, a partir da filosofia do próprio Quincas, e faz críticas aos costumes ali vigentes. Por fim, e para citar uma obra um pouco menos conhecida do maior romancista brasileiro de todos os tempos – e um dos maiores do mundo –, “Relíquias da Casa Velha” retrata a perseguição de escravos foragidos. Nesta obra, o autor critica a forma com que a sociedade tratava os negros, e faz severas críticas à desigualdade social. 

Os três escritores possuem diferenças entre si, é óbvio, e talvez o que mais se distancie entre eles seja o próprio Steinbeck, que foi mais direto em sua mensagem, pragmático, como já mencionado, enquanto o russo e o brasileiro exploraram mais as questões psicológicas e filosóficas da alma humana, da vida... Todos eles, no entanto, e apesar das diferenças de abordagem e de discurso, fizeram as mesmas críticas. Todos eles foram, enfim, de vanguarda. E que vanguarda. Como foram corajosos, e que vida esplêndida. O que diriam eles, se vivos estivessem, de Trump, de Putin e de Bolsonaro (e ainda de outros que por aqui passaram), respectivamente? O que abordariam em suas obras? Quais críticas fariam ao mundo e à ganância de poder de hoje? Certamente este é um exercício rico e interminável de suposições, de conjecturas, de mistério, digamos. Mas apesar de não sabermos ao certo, uma coisa é garantida: nossos líderes estariam em maus lençóis.

terça-feira, 30 de junho de 2020

Fazer arte exige treino

Acredite-se ou não, ser alguém das artes já foi sinônimo de grandeza, sobretudo de espírito. Hoje a decadência no âmbito artístico é tão grande que tais profissionais são vistos com maus olhos por grande parte da sociedade. Ter um filho músico? De jeito nenhum, exceto se este estudar algo de verdade antes; uma filha artista plástica? “Só por cima de meu cadáver”, diriam alguns pais. No entanto, grande parte das pessoas que critica a profissão de músico, por exemplo, não vive sem uma musiquinha no dia a dia, seja no escritório, seja no carro, seja num restaurante. O que seria, portanto, da vida desse cidadão sem o profissional da música para livrá-lo de sua rotina exaustiva e muitas vezes sem sentido?

De jeito nenhum aqui se nega que muitos artistas dão mau exemplo em sua vida pessoal, muitas vezes regadas a bebedeira e confusão mental. Mas e aqueles que viveram a dar bons exemplos, e que são talvez a maioria? E nas outras áreas, não há malucos inconsequentes? Não existem advogados cretinos? Não existem administradores desatinados? Sim, existem!

Ninguém mais que os bons artistas rechaçam os maus artistas, seja no mau exemplo que dão, seja na arte ruim que praticam pela falta de dedicação e falta de tino. Infelizmente, as artes tomaram uma conotação de que todo mundo pode exercê-la facilmente. Sim, todos podem exercer a carreira de músico, por exemplo, mas não, não é fácil. Diferentemente de um advogado, que cursou quatro anos de Direito e saiu capacitado para trabalhar na área, quatro anos para um músico é nada. Nada! Exceto para um músico ruim. E infelizmente são esses que dão fama a essa profissão tão distinta; infelizmente são esses que pegam trabalhos em detrimento dos bons; são esses que hoje em dia estão na mídia, dando entrevistas e explanando suas baboseiras. E é por isso que hoje as artes não mais são um sinônimo de grandeza, infelizmente.

sábado, 9 de maio de 2020

Uma ideia na cabeça e...

Em tempos em que as notícias se espalham como praga de gafanhotos, nunca foi tão necessário a apuração e a depuração das tantas informações disponíveis. Analisar e conferir a procedência do que nos chega é como a leitura: um hábito que precisa ser criado e preservado. Associo este breve introito à leitura não por acaso, mas como uma orientação. A pessoa que lê, e aqui me refiro a coisas relevantes, possui mais know-how e segurança para decidir em quais notícias acreditar e quais notícias repassar; a pessoa que se prepara, ainda, terá mais discernimento em não criar produtos "fake" para atrasar ainda mais a vida de seu compatriota.

Com o rápido avanço da tecnologia digital e a expansão de smartphones, é comum vermos pessoas criando produtos audiovisuais diversos, às vezes até em demasia. O que pensaria Georges Méliès, que em sua época precisava pintar à mão cada frame (quadro) de suas filmagens para ter seus filmes coloridos, caso visse o destino que tomou o mercado audiovisual? Poderia ter uma boa avaliação, vendo a democratização da linguagem, como poderia ter um julgamento negativo, diante de tanto despreparo visto nas novas produções. A título de informação, à época de Méliès, cada segundo de filme tinha entre 16 e 20 frames. Hoje a taxa de frame rate (fps) é de 29.97 para vídeos digitais e de 24 para o cinema (23.976 precisamente).

Os smartphones não têm nada de "smart", apesar de algumas pessoas acharem que por ter uma câmera e um editor de vídeo disponíveis já seja suficiente. Não! Os equipamentos que utilizamos são burros, eles precisam de nosso comando. "Smart" precisamos ser nós, que temos a matéria-prima à nossa disposição. O que vamos fazer com ela é que determinará a qualidade do produto final. Não é porque um vídeo é caseiro que ele precisa ser ruim. As câmeras dos smarphones de hoje têm resoluções incomparavelmente maiores que as câmeras que Mèliés utilizava, e por que então as produções caseiras são incomparavelmente aquém das produções do mestre? É claro que ele em sua época tinha todo um arsenal por trás, mas ainda assim não acredito que se os tais novos produtores de vídeos de hoje tivessem a infraestrutura que tinha George Mèliés fariam coisas à mesma altura.

O que quero dizer, em síntese, é que, é claro que cuidados técnicos são determinantes - como mínima preocupação com o planejamento, com a iluminação, com o áudio, com a direção de arte e com tudo o que compõe o vídeo, portanto -, mas o mais importante é ter boas ideias, ter paciência, ter objetivo, ter criatividade, ter o que dizer de fato, e tudo isso só se consegue criando aquele know-how que tratei no início, isto é, lendo, assistindo boas produções, preparando-se ininterruptamente. Se uma câmera boa fosse acessório suficiente para boas produções, hoje teríamos dúzias de Méliès, Eisensteins, Griffiths, Bergmans etc.

Pense no que quis dizer Glauber Rocha quando falava que cinema se faz com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Trabalhe seu conhecimento, explore a cultura na qual está envolto, crie repertório, trabalhe sua criatividade, porque o restante você provavelmente já possui. Imagine o que faria George Mèliés com os equipamentos de gravação de hoje.

Com uma sociedade mais bem preparada, a gente certamente gastaria menos tempo com canalhas tentando a todo tempo nos enganar, e teríamos mais tempo para focar no que realmente nos é caro.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Confinamento e Liberdade

Começo este artigo com uma pequena provocação. Qual dor é maior, a sua, em seu confinamento aparentemente interminável, ou a de alguém que está numa fila de hospital? É claro que esta é uma pergunta propositalmente capciosa, mas se a resposta for que é a de quem está numa fila de hospital, devo dizer que ou se está mentindo na intenção de se mostrar solidário, ainda que a si mesmo, ou não se entendeu a pergunta. A empatia pelo sofrimento alheio é louvável, mas jamais será possível senti-lo de fato. A dor maior é, portanto, a sua, por menor e mais banal que ela possa parecer perante outras.

Da mesma forma funciona a liberdade. Numa discussão de âmbito mais abstrato, é possível estar-se preso, ainda que livre, digo nos parâmetros da convenção social. Como é possível, pois, ser livre com a mente nos perturbando incontrolavelmente? Como é possível ser livre não conseguindo controlar os próprios sentimentos e pensamentos? Por outro lado, é possível ser livre, creio eu, estando com o corpo com limitações de espaço, se a mente estiver amparada na esperança e no repouso.

Na atual pandemia, e não só nela, evidentemente surgem as mais variadas reações, mas talvez as piores sejam a de pessoas querendo lucrar com o sofrimento alheio. Políticos usando seu poder de oratória, pensando em cargos futuros, usando para isso o nome da ciência ou da religião; a imprensa exagerando na quantidade de informações derrotistas repetidas, visando audiência; pessoas jurídicas fazendo doações associadas às suas empresas etc.

Usar do terror para capitalizar é uma prática muito antiga. Maquiavel já nos ensinava sobre esse método há quinhentos anos. Até onde tudo é cênico? Quem estará com a verdade? Aqui não se deve também isentar os cúmplices de todo esse circo. Enquanto algumas pessoas não têm nem mesmo condições básicas de sobrevivência, outras compram porta-máscaras de R$ 600,00; enquanto algumas pessoas não conseguem superar a falta de dinheiro para compras mínimas, outras, por outro lado, esgotam prateleiras; enquanto alguns trabalhadores não conseguem os R$ 600,00 de ajuda do governo que lhes foi prometido (mesmo valor do porta-máscara), outras, que jamais trabalharam, também querem sua boquinha, ou, ainda, maus-elementos fraudam o sistema para tirar o pouco de quem realmente merece.

Há várias formas de contribuir com a sociedade, e não somente num momento pandêmico. Há pessoas que descobriram a solidariedade agora, e antes tarde do que nunca. Há várias formas de solidariedade. A primeira – e digo isso com pesar, já que não é bem solidariedade – é não atrasar a vida alheia, nem usar de táticas malévolas ou se aproveitar da vulnerabilidade das pessoas para capitalizar; a segunda – com o mesmo pesar da primeira – é não se sentir juiz nem porta-voz da justiça; a terceira pode ser bem variável. É possível doar coisas; é possível compartilhar material que contribua na saúde mental; é possível a introspecção em oração, por que não? É possível uma palavra amiga a alguém, ainda que a um familiar, ora, por que a ajuda só é válida quando feita em grande escala e vista por todos? Talvez o mais importante, no fim, seja que, independentemente de quaisquer ajudas, estas sejam feitas de forma genuína, sem uma câmera fotográfica na mão, sem a intenção de sanar o próprio ego, sem o objetivo de ficar bem consigo mesmo. E o mais importante é que a solidariedade seja perene. Ter empatia pela dor alheia é louvável, repito, mas ela não mitiga o sofrimento de ninguém.

Talvez esteja aí a liberdade para quaisquer confinamentos, esses feitos em pandemias, e aqueles que nos acompanham por toda uma vida: a autêntica solidariedade. Aí pode estar a chave para a verdade e também para a liberdade.

terça-feira, 31 de março de 2020

A culpa não é do acaso

Ninguém será capaz de me convencer que a pandemia que assolou, e assola, o planeta não tem um culpado. Tem, sim! Se não for uma pessoa, é um país: a China, que agora, e somente agora, proibiu o comércio de animais selvagens para corte.

Assim como fui refutado quando sugeri à época que o Carnaval de São Paulo devia ser suspenso, refutaram-me também quando sugeri que o tal comércio de animais selvagens da China era o culpado por todo mal que hoje dizima sociedades mundo afora.

Os argumentos que jogaram sobre mim em ambas as questões foram basicamente os seguintes: “Por que cancelariam o Carnaval se não há nada acontecendo no Brasil?” E “A China não tem culpa, essas coisas não se controlam”.

Alguém em sã consciência duvida da alta globalização atualmente? Se duvida, talvez não haja argumento; se não duvida, por outro lado, então o argumento de que na época ainda não se tinha contágio no Brasil torna-se injustificável.

Quando se deu o Carnaval por aqui, o vírus já estava destruindo a China e já havia chegado à Europa. Era óbvio que seria apenas uma questão de tempo até se chegasse aqui. Sem mencionar o fato de que muitos estrangeiros participam dos carnavais de São Paulo. Mas infelizmente é necessário ter um mal já avançado para que medidas sejam tomadas. No país da festa e da algazarra, certamente haveria muita gritaria, caso a festa tivesse sido cancelada, e nenhum governante iria querer ficar mal perante sua sociedade em ano eleitoral. Muito bem, todos aproveitaram a festa, com o preço de agora estarem trancafiados como animais enjaulados.

Voltando à questão da China. Desastres, não naturais, controla-se, sim! Como não? Não foi a primeira vez que países, através de sua imprudência, disseminaram vírus mortais mundo afora. E o que aprenderam? Nada. Quantos milhões são gastos em vacinas? Quanto esforço é exigido na área da pesquisa? Tudo isso, em grande parte das vezes, para tentar consertar o mal que alguns países, através de sua cultura muitas vezes retrógrada, exporta. A Árabia Saudita ainda hoje cria dromedários, mesmo após o desastre que o Mers provocou; a China até hoje mantinha a insanidade de seus mercados, mesmo após tantas epidemias lançadas, como a Sars, em 2002.

Muitos, sobretudo os mais religiosos, pensam que esse vírus veio para nos ensinar algo. Não! O vírus veio porque um país foi irresponsável. E por que deveríamos acreditar que o tal vírus ensinará algo, se os outros não ensinaram? Talvez o último que tenha ensinado alguma coisa foi o da Gripe Espanhola, mas era outra sociedade, menos mimada e menos carente. E tenho minhas dúvidas se foi mesmo ele que ensinou algo ou se foi a Primeira Guerra Mundial ou a Crise de 1929.

Hoje os pesquisadores conseguem criar uma vacina em um ou dois anos, isso é sem dúvida um avanço descomunal, mas de que adianta, tudo isso, se por um lado há profissionais decentes trabalhando no mais alto nível, enquanto de outro, há países lutando contra a humanidade e desequilibrando a gangorra para baixo?

As pessoas não vão ficar mais próximas ou mais amáveis por causa dessa pandemia; as pessoas não vão ficar mais solidárias, nem vão ficar mais reflexivas, ou menos individualistas. O novo milênio entrou numa dinâmica sem volta. O mundo, já nos ensinaram as epidemias das últimas décadas, vai continuar o mesmo: em queda livre. Que não venham pandemias piores no futuro! Por toda experiência pregressa, tudo indica que virão.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Vigilância e Sensatez

O governo brasileiro, mais especificamente o Ministério da Saúde, assim como os governos estaduais e municipais, tem tomado medidas importantes contra o tal vírus que assola o globo. Entretanto, fica claro que as medidas sobre as quais estou falando deveriam ter sido tomadas antes. “Ah, mas antes não tinha como saber”, ou “Ah, mas antes não era tão grave”. O fato é que o bom líder deve estar sempre à frente, fazer um prognóstico decente e a partir disso tomar as medidas necessárias. No fim, elas foram tomadas de todo jeito. Antes, porém, tivessem sido adiantadas, talvez hoje o assolamento fosse menor.

O Carnaval, por exemplo, poderia ter sido repensado, por mais difícil que tivesse sido à época. Não o foi, muito provavelmente por questões financeiras. Todavia, o custo que a disseminação da doença está produzindo é infinitamente maior que o lucro da festa. Nenhum prefeito tentaria cancelar um dos principais eventos do ano em ano de eleição, sem um motivo forte. Existe um fenômeno intransponível na política que são as condições objetivas, isto é, sem infectados, sem cancelamentos. Mas uma análise rápida pode ser interessante.

O primeiro caso do vírus no Brasil foi confirmado no dia 26 de fevereiro, quarta-feira de Cinzas, em São Paulo, e por mais que já tivesse passado o incompreensível pré-Carnaval, ainda teriam o Carnaval (fim de semana seguinte ao do dia 26) e o também incompreensível pós-Carnaval. Vale lembrar, ainda, que quando houve a confirmação do primeiro caso, no dia 26, já tinham mais de cinquenta casos suspeitos. Mesmo que o tal caso confirmado não tivesse sido de contágio comunitário, já que foi importado da Itália, o alerta estava dado. No próprio dia 26, a Anvisa pediu a relação da lista de passageiros do voo em que o senhor diagnosticado com o vírus viajou. Era só uma questão de tempo para a doença se propagar na cidade de São Paulo e consequentemente no Brasil.

Na Itália, os dois primeiros casos surgiram no dia 30 de janeiro de 2020, e no dia 24 fevereiro, menos de um mês, portanto, e dois dias antes da primeira confirmação aqui em São Paulo, o país já tinha 224 casos confirmados. Eis o que disse nosso ministro da Saúde à época:

“Não sabe se por aqui o vírus acelera ou desacelera. Os vírus se comportam de forma diferente no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul. Esse é um vírus que surgiu em baixa temperatura. Pode não ter o mesmo comportamento. Pode ser para melhor ou para pior. O Brasil é um país de pessoas mais jovens e está no verão. Esse é um período pouco propício para um vírus respiratório por aqui”.

É claro que naquela fase tudo poderia ser um mistério por aqui, e hoje é fácil analisar. De toda forma, brincaram com a sorte e pagaram para ver. Como eu disse antes, o bom líder está sempre à frente. Hoje já são mais de 10 mil contaminados no mundo e mais de 224 mil pessoas infectadas.

Não quero dizer que se o Carnaval tivesse sido cancelado, hoje não teríamos o vírus circulando, mas cada medida ajuda, sobretudo em eventos de gigantesca aglomeração, e quanto mais se consegue retardar o andamento do infortúnio, menos chance de colapsar a saúde pública e a economia. O Carnaval foi em fevereiro de 2020, o vírus mortal está rodando o mundo desde o fim de 2019. Será mesmo que alguém duvidava que ele chegasse aqui cedo ou tarde, dada a alta globalização? Esperar para tomar medidas e pagar para ver é complicado quando o assunto é vida. Sempre tivemos o hábito de deixar para estudar para as provas escolares no dia anterior ao de sua aplicação, e isso reflete essa cultura no poder do país.

O ponto que toco não é do Carnaval em si, já que esse exemplo é só para ilustrar o fato de que por aqui, e talvez no resto do mundo também, as pessoas e as autoridades demoram demais para se prevenir. Há duas semanas foi sugerido ao governador de São Paulo fechar as escolas, ele deu risada. Na semana seguinte fechou; há uma semana foi sugerido a alguns amigos que cancelassem um evento que eles estavam organizando, eles chamaram de paranoico aqueles que fizeram a orientação, alguns dias depois o evento foi cancelado.

Não podemos negar o fato de que também é muito difícil convencer o ser humano, e aqui falo especificamente de nós brasileiros, a salvar a própria pele, e nesse caso ainda há uma agravante: se pensarmos individualmente prejudicamos a todos, já que vivemos em rede.

Muitos ignoram a gravidade do problema, e quando a notam, a doença já tomou proporções astronômicas. Tem havido certa tendência, que vem diminuindo à medida que as notícias ficam mais sérias, de certas pessoas rotularem os que se preocupam com toda essa situação de paranoicos, e é claro que ser egoísta e esgotar estoque de suprimentos ou de produtos de limpeza é pânico injustificável, mas o paranoico pode ser aquele que acha que tudo está tranquilo. O cidadão que acha que o tal vírus não é tão grave, é o mesmo cidadão que renega vacina, a ciência, o heliocentrismo etc.

Nem todos podem parar de trabalhar, é evidente; nem todos, aqui no Brasil, podem ficar em quarentena, já quem nem todos têm onde morar, e por isso cabe ao governo usar todo o seu poder para assessorar essa parte da economia e da subsistência do país, e ainda que seja indispensável sair de casa, que o faça só para o indispensável de fato. Mas o que vemos são bares repletos de gente, praias tomadas e circulação e encontros sociais desnecessários. Pessoas dessa natureza ignoram todos os dados científicos e orientações de órgãos competentes, e talvez quando se derem conta seja demasiado tarde.

É claro que aqui não cabe culpa. De todo modo, a reflexão se faz necessária. Somos tratados como infantis sem motivo, ou o somos de fato? Levanto a questão pelo simples motivo de diariamente haver algum especialista em saúde nos ensinando como lavar as mãos, assim como as professoras do ensino infantil ensinam suas crianças a escovar os dentes ou a amarrar os sapatos. Se nós, marmanjos, não sabemos como lavar as mãos, como podemos ter discernimento para eleger um presidente? Se precisamos de gente nos dizendo como fazer o mínimo, nos mostra óbvio o porquê de sempre voltarmos a eleger ditadores em alguma etapa da vida. Ainda que tais características também se apliquem a outros países, isso é muito acentuado no latino-americano. Se não tem gente nos dando ordem, nós não agimos, e mesmo que nos deem ordem, nós não a respeitamos. Análise esta para as ciências de comportamento humano.

O fato é, portanto, que estamos diante de uma crise extremamente grave. Arrisco-me a dizer que não passávamos por isso desde a gripe espanhola, excluindo a Segunda Guerra Mundial. E espero, também, que a Ásia um dia responda por sua irresponsabilidade sanitária (ainda que a imprensa japonesa alegue que o vírus se originou nos EUA), assim como a África, que também já exportou muito mal com tais doenças, apesar de ambos os continentes também terem sido vítimas, mas o foram por sua própria insensatez sanitária.

O Brasil e outros países do Ocidente, por fim, não estão isentos, já que o desflorestamento e outras questões, como a expansão agrícola, podem acarretar a soltura de muitas doenças. Há a suspeita, inclusive, de que a malária esteja de mãos dadas com o desmatamento. Sensatez não é paranoia (termo chulo usado para ofender). A sensatez pode, sim, salvar o mundo.

Para encerrar, toda essa situação pode ter chegado ao mundo por algum motivo mais abstrato. Nenhuma pandemia na história deixou o mundo e o comportamento das pessoas iguais em seu antes e depois. Esperemos que a humanidade, e mais especificamente seus líderes, aprenda algo com tudo isso.