terça-feira, 28 de abril de 2020

Confinamento e Liberdade

Começo este artigo com uma pequena provocação. Qual dor é maior, a sua, em seu confinamento aparentemente interminável, ou a de alguém que está numa fila de hospital? É claro que esta é uma pergunta propositalmente capciosa, mas se a resposta for que é a de quem está numa fila de hospital, devo dizer que ou se está mentindo na intenção de se mostrar solidário, ainda que a si mesmo, ou não se entendeu a pergunta. A empatia pelo sofrimento alheio é louvável, mas jamais será possível senti-lo de fato. A dor maior é, portanto, a sua, por menor e mais banal que ela possa parecer perante outras.

Da mesma forma funciona a liberdade. Numa discussão de âmbito mais abstrato, é possível estar-se preso, ainda que livre, digo nos parâmetros da convenção social. Como é possível, pois, ser livre com a mente nos perturbando incontrolavelmente? Como é possível ser livre não conseguindo controlar os próprios sentimentos e pensamentos? Por outro lado, é possível ser livre, creio eu, estando com o corpo com limitações de espaço, se a mente estiver amparada na esperança e no repouso.

Na atual pandemia, e não só nela, evidentemente surgem as mais variadas reações, mas talvez as piores sejam a de pessoas querendo lucrar com o sofrimento alheio. Políticos usando seu poder de oratória, pensando em cargos futuros, usando para isso o nome da ciência ou da religião; a imprensa exagerando na quantidade de informações derrotistas repetidas, visando audiência; pessoas jurídicas fazendo doações associadas às suas empresas etc.

Usar do terror para capitalizar é uma prática muito antiga. Maquiavel já nos ensinava sobre esse método há quinhentos anos. Até onde tudo é cênico? Quem estará com a verdade? Aqui não se deve também isentar os cúmplices de todo esse circo. Enquanto algumas pessoas não têm nem mesmo condições básicas de sobrevivência, outras compram porta-máscaras de R$ 600,00; enquanto algumas pessoas não conseguem superar a falta de dinheiro para compras mínimas, outras, por outro lado, esgotam prateleiras; enquanto alguns trabalhadores não conseguem os R$ 600,00 de ajuda do governo que lhes foi prometido (mesmo valor do porta-máscara), outras, que jamais trabalharam, também querem sua boquinha, ou, ainda, maus-elementos fraudam o sistema para tirar o pouco de quem realmente merece.

Há várias formas de contribuir com a sociedade, e não somente num momento pandêmico. Há pessoas que descobriram a solidariedade agora, e antes tarde do que nunca. Há várias formas de solidariedade. A primeira – e digo isso com pesar, já que não é bem solidariedade – é não atrasar a vida alheia, nem usar de táticas malévolas ou se aproveitar da vulnerabilidade das pessoas para capitalizar; a segunda – com o mesmo pesar da primeira – é não se sentir juiz nem porta-voz da justiça; a terceira pode ser bem variável. É possível doar coisas; é possível compartilhar material que contribua na saúde mental; é possível a introspecção em oração, por que não? É possível uma palavra amiga a alguém, ainda que a um familiar, ora, por que a ajuda só é válida quando feita em grande escala e vista por todos? Talvez o mais importante, no fim, seja que, independentemente de quaisquer ajudas, estas sejam feitas de forma genuína, sem uma câmera fotográfica na mão, sem a intenção de sanar o próprio ego, sem o objetivo de ficar bem consigo mesmo. E o mais importante é que a solidariedade seja perene. Ter empatia pela dor alheia é louvável, repito, mas ela não mitiga o sofrimento de ninguém.

Talvez esteja aí a liberdade para quaisquer confinamentos, esses feitos em pandemias, e aqueles que nos acompanham por toda uma vida: a autêntica solidariedade. Aí pode estar a chave para a verdade e também para a liberdade.