domingo, 30 de abril de 2017

Banho de Sol

Assim somos nós a partir do momento da primeira abertura de olhos: covardes. Sem a consciência devida, assim permanecemos até um dia sairmos da escuridão, como alertou Platão. Nem todos saem, e desse modo vivem a sofrer as consequências da sobrevivência de forma menos dolorosa. E vivem como animais.

A consciência é o que nos diferencia dos demais seres que habitam esta terra. No fim, sabemos mais do que devemos e menos do que necessitamos, e isso apavora as mentes, já perturbadas, mundo afora.

Viemos parar aqui de forma acidental, e trazemos outros da mesma maneira, talvez por uma vingança inconsciente, talvez por um orgulho e mimo bobos de satisfazer nossos desejos.

A vida tem, sim, seus momentos de deleite, o que faz como que não ocorra um suicídio em massa. Contudo, esses momentos deleitosos seriam nada mais que um “presente” ilusório para nos manter presos onde estamos, já que é assim que o mundo funciona. Como seria este lugar caso fosse livre desses pecadores tontos escravizados pelo cotidiano?

Um presidiário possui algumas horas de sua penosa semana para refugiar-se frente ao sol que pouco vê. Seria essa uma decisão da lei para que ele não enlouqueça, não se mate, não mate a outros? “Tadinho”, pensam uns. “Morra!”, pensam outros. “Foda-se”, pensam terceiros, como eu. Entretanto, nossa vida não é muito diferente. Rejubilamo-nos nos parques, shoppings e praias (exceto eu), um dia da semana, para voltarmos vivos às nossas celas na segunda-feira seguinte. Os parques são nossos banhos de sol; nossa semana, nossa cela.

Religiosos são criticados por tentarem agir corretamente, segundo seus princípios, à espera de uma vida gloriosa futura. O que fazem esses críticos senão a mesma coisa? Ora, as pessoas, em grande parte das vezes, não deixam de agir contra seus instintos e vontades apenas para não sofrer as consequências das punições terrenas? A chance de ir parar numa prisão, por exemplo, caso ajam contra as leis, é bastante visível, mesmo que já fazem parte de uma prisão maior.

Religiosos, por outro lado, criticam os que não agem corretamente. E por que esperam um Salvador, já que são os próprios juízes?

Há sempre formas de tudo piorar, e há prisões dentro de prisões. Estamos interiorizados na prisão mor, dentro dela, há outras para aqueles que não agem de acordo com as regras impostas por esses prisioneiros primários; prisões e punições mais severas existem para aqueles que não agem de acordo com as regras da prisão secundária. E a prisão fim está instaurada na própria consciência humana, aquela consciência que nos faz ter ciência de que todos fazemos parte de uma prisão suprema. E tudo volta ao início do ciclo vicioso.

Aqueles, por fim, que estão presos apenas nessa prisão primária, que é o próprio mundo, sentem-se privilegiados, já que podem, diferentemente de outros presos, escolher como querem seu banho de sol.