quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Tu és Colaborador! - A Revoltosa Centrífuga

Resta evidente que o padrão de vida, de uma forma geral, melhorou nos últimos séculos. Não vou, entretanto, aprofundar-me neste sentido, já que este não é o foco do artigo. Fiz, no entanto, este introito a fim de clarificar que, apesar de muitos malefícios, não testaram ainda um sistema mais eficaz para esta melhora que a própria economia de mercado, lembrando que ela é um avanço dos gradativos sistemas posteriores ao escravismo: feudalismo, mercantilismo e, por fim, a própria economia de mercado.

É lastimável, por outro lado, que alguns empresários sintam-se pressionados a ter de enganar seu consumidor para conseguir respeito, já que uma parte efervescente e barulhenta se opõe, por questões doutrinárias, ao lucro. Pensa ela que ainda vivemos sob as leis do século XIX. (É claro que às vezes este embuste é por má-fé.)

Explico sobre o engodo mencionado acima. Presenciamos propagandas de marcas de produtos diversos associando a felicidade, a família, o meio-ambiente..., à mercadoria. Quando o fazem como meio de alcançar o consumidor, compreendido, mas muitos o fazem para não atingir uma sociedade politicamente correta, que finge repudiar o dinheiro e os bens materiais, além de pensar que empresário não pode visar lucro. Naturalmente e em contrapartida, essa postura receosa desses empresários covardes contribui para que esta situação fique acomodada. Certamente, outro avanço que nossa sociedade vem alcançando nas últimas décadas é a conscientização de um mundo melhor e mais saudável. Mas o ponto aqui é a hipocrisia do agrado. Empresa é criada para dar lucro. É desta forma que ela contribui com o país no qual está instaurada. Há órgãos competentes para cumprir o papel social de uma nação.

As empresas não enganam somente seus consumidores, mas também seus empregados, começando, por exemplo, por chamarem-nos de colaboradores. É claro que isso pode ser apenas uma questão de semântica. Assim como se trocou “empregado” por “funcionário”, hoje se troca “funcionário” por “colaborador”. Quando virem que o tal colaborador é um mero empregado, trocarão “colaborador” pela palavra politicamente correta do futuro, quem sabe “adjunto”. Ninguém saberá o que é, e por isso será tão bem aceita, assim como as pessoas não têm total consciência acerca do significado de "colaborador". Devo deixar claro que muitas vezes também se troca “empregado” por “funcionário” por pura confusão e desconhecimento. Funcionário é servidor público, no mundo privado, o contratado é um empregado.

A Administração nos diz que o empregado é contratado para cumprir suas funções e atributos. O colaborador, por outro lado, vai além, ele é comprometido com a empresa de modo geral, auxilia, ajuda seus companheiros, busca melhorar e blá-blá-blá. Obviamente só o faz para manter seu emprego. Desta maneira, o "colaborador" finge colaborar e a empresa finge que ele não é um mero empregado. Todos ficam felizes perante o outro e ninguém se mata no meio do expediente. Parabéns ao paliativo! Particularmente, eu prefiro manter-me visceral à base de Rivotril. Os empresários se esquecem, ainda, que não é somente o empregado quem deve seus préstimos por ter um emprego, mas eles também o devem a seus contratados por tê-los ali dedicados; é uma relação recíproca, mas em nossa dura realidade só se assiste empregados que tremem frente ao patrão, como se este fosse seu senhor. Não há um respeito natural, mas apenas poder hierárquico.

Tudo isso pode, contudo, fazer parte de uma roda ainda maior. Isto é, empregado feliz produz mais e melhor; empregado feliz é um bom consumidor, e o sistema – a revoltosa centrífuga – no qual estamos se alimenta desse consumo.

O que geralmente não se é lembrado é que o empresário também é um consumidor, também está inserido neste sistema enganoso e hipócrita, também está nas mãos de outros empresários. Ele engana e é enganado pelas mesmas armas que utiliza, a maior parte das vezes sem saber, e quem vence é o sistema, talvez o cosmos. Sim, o cosmos vence à medida que um empregado feliz vê sentido em sua vida quando chega a casa e liga seu Netflix, percebendo, deste modo, sua vida fazer sentido. Imagine você sete bilhões de pessoas imaginando a vida sem sentido, como eu? Qual seria o resultado de tanta insatisfação e ceticismo simultâneos?

É lastimável notar como as coisas devem ser simplesmente para as pessoas não neutralizarem o andamento do mundo. Um pisa sobre a cabeça do outro e ainda assim a gente vive melhor, ou ao menos acredita que vive em circunstância de outro engodo megalomaníaco: nosso inconsciente. E não se engane, o ser humano é como os pombos. A gente se comove com aquele que está tomando bicada de seus pares e perdendo a disputa pelo alimento, mas quando aquele prejudicado toma a frente, não titubeia, e faz o mesmo com os que ficaram para trás.

domingo, 8 de outubro de 2017

Sertanejo - Uma Análise Crítica

O sertanejo é na verdade um gênero musical pobre e que nunca progrediu. A partir desta assertiva, alguns tolos sugestionarão que eu passe a observar algumas letras, que eles consideram maravilhosas. No entanto, não falo de letras, pois estas podem, obviamente, em vários momentos, dizer coisas plausíveis, como quaisquer outras canções. Vou me ater, portanto, à música e o que a ela está envolvido. Lembrando, já que muitas pessoas parecem não saber, que à união entre letra e música dá-se o nome de canção.

Ainda, não falo somente do chamado “universitário”, mas de todos eles (sertanejos), em suas diversas épocas. Aliás, a título de informação, o que hoje é chamado de sertanejo universitário, certamente não é sertanejo, é música brega (sem ironia), contudo, vamos tratar como sertanejo. Assim como, para estender o exemplo, o que hoje é chamado de funk, no Brasil, é, efetivamente, miami bass. No caso do sertanejo universitário, o título “sertanejo” soou melhor, comercialmente falando, que brega. À frente.

Há quem diga que não gosta do “universitário”, mas respeita o “raiz” e blá-blá-blá. Primeiramente, e já dito e explicado sobre o nome “sertanejo universitário”, “raiz” também não remete a Tonico e Tinoco, como todos pensam. Isso é mentira. Inclusive, essas duplas antigas, falsamente chamadas de raiz, foram as responsáveis pela criação dessas aberrações do fim do século XX e início do século XXI. Essas duplas contemporâneas só pioraram o que já era ruim, pois aquelas mais antigas, que se faça justiça, ao menos tinham variedade rítmica – como a guarânia, cateretê etc. – e alguma escola folclórica, além de terem, também, alguma razão existencial. As de hoje não possuem nada, nem ao menos personalidade.

O sertanejo, primeiramente, nasceu com total intuito comercial, a partir do fim da década de 1920, e um dos responsáveis foi o empresário Cornélio Pires (1884-1958). Sim, caro leitor, a dupla Tonico e Tinoco, para pegar uma das duplas mais conhecidas como exemplo, nasceu apenas para vender, e conseguiu, vendeu mais de 150 milhões de discos em sua carreira. Obviamente, outros gêneros também mantiveram foco comercial em sua existência, como o rock, mas este, como é notório, progrediu plausivelmente pelas décadas posteriores, vide suas tantas variantes. A diferença é que o rock não nasceu para vender, mas nasceu a partir do grito de um povo que veio à América como escravo. (Não me oponho ao comércio, apenas esclareço a prioridade. Amantes do sertanejo dizem que o gênero foi criado para mostrar a vida de um povo rural, interiorano, entretanto, nasceu, sim, com o intuito de vender este modo de vida.) É claro que o público consumidor também é responsável pela progressão de um gênero musical, à medida que possui mais ou menos sofisticação intelectual, característica que faltava ao público sertanejo da época (e, com certeza, ao de hoje, por isso, o gênero continua a não progredir). A indústria que produz cultura – nesse caso, artística –, transformando-a numa mercadoria, com a finalidade única de obter lucro, submete-se a uma lógica que passa a colonizar o inconsciente humano. Dessa forma, há a padronização a baixo nível formal e de conteúdo, domesticação do estilo, crescente divórcio entre a arte e o artista e entretenimento puramente. Horkheimer e Adorno – pensadores alemães do século XX, da Escola de Frankfurt na qual Horkheimer era diretor, autores da obra Dialética do Esclarecimento – diziam sobre a regressão do ouvido, isto é, de tanto se ouvir coisas ligeiras, como costumavam chamar, o ouvido domestica-se ao ruim.

Secundariamente, o sertanejo faz um uso quase ininterrupto de terças (consonâncias imperfeitas) paralelas, algo que deve ser evitado, segundo regras contrapontísticas. Essa característica talvez seja a que mais o empobreça musicalmente. Por ser um intervalo que, de certa forma, soava bem ao ouvido, houve um uso exacerbado, o qual, junto às melodias simplórias, agradava seu público. Por esse motivo, o sertanejo se acomodou naquilo que estava dando certo, e assim ficou através das décadas.

O que as pessoas erroneamente chamam de “raiz”, de raiz nada tem. Raiz de fato seria, por exemplo, todo o folclore, como Peixe Vivo, Cuitelinho, Prenda Minha etc.

Mário de Andrade, entre suas tantas atribuições, também era musicólogo, e ao viajar por este país afora pesquisando sobre a cultura nacional, jamais citou o sertanejo em suas notáveis pesquisas. Ou seja, caso esse gênero fosse tão distinto como as pessoas, no geral, dizem, Mário de Andrade, certamente, teria notado. As pessoas, aquelas que teoricamente possuem certo conhecimento, têm o hábito de criticar o “sertanejo” universitário, mas, ao mesmo tempo, exaltar o que elas chamam de sertanejo raiz. Contudo, suspeito de que isso se dê principalmente pelo politicamente correto, o qual tomou conta da contemporaneidade, pois soa bem criticar aquilo que vem de classes simplórias. Evidentemente, à medida que as coisas vão ficando para trás, a grande tendência é transformá-las em cult. Grande bobagem! Até o próprio axé, gênero que fez sucesso no fim dos anos de 1990, tornou-se cult por uma ala da sociedade. Em que planeta É o Tchan é tão menos apelativo assim que qualquer “funk” dos 2010?

O sertanejo antigo, apesar de expressar a vivência de um povo, é uma aberração musical, mas claramente a um nível mais elevado que o tal “sertanejo” contemporâneo, repleto de posers mimados que estão atrás apenas de status; são mais profissionais do entretenimento que da música. Este sertanejo sim é uma aberração em todas as suas dimensões.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Pets - A Solução de uma Alma Doente

A linha, que se tornou tênue, entre o real e o virtual tem sido muito explorada há tempos. A maior parte das vezes as análises vêm repletas de críticas pejorativas no que se refere à relação entre homem e máquina. No entanto, esses mesmos analistas não vivem sem a escravidão de seus smartphones. Eis a ambivalência injustificável.

É evidente que os avanços, inclusive os tecnológicos (e não vou entrar no mérito etimológico acerca da téchne), apresenta-nos uma ampla melhora na qualidade de vida. Entretanto, o êxtase no qual a sociedade vive com seus novos aparatos eletrônicos transformou-a numa sociedade perturbada e doente. A doença a qual me refiro não vem, obviamente, somente através dos meios eletrônicos escravocratas, mas de coisas muito mais profundas que tomaram o pensamento contemporâneo, como a busca a qualquer custo pela tão sonhada felicidade, o que torna a pessoa carente e sensível em demasia, fazendo com que, a partir disso, ela, a pessoa, fica intolerante com as adversidades inerentes em quaisquer corpos sociais e relações. Para ser feliz na realidade do século XXI, é necessário, grosso modo, ter reconhecimento alheio, e para isso se faz necessário o “ter”, cujo verbo necessita do sangue daquele que o deseja. Nessa busca, contudo, o custo é o ônus da alma e da serenidade.

É muito comum, nos dias hoje, avistar-se pessoas que preferem cachorros a seres humanos (aqueles que pensam ser inteligentes optam por gatos); pessoas que preferem um animal de estimação a filhos; pessoas numa busca incansável pelo parceiro perfeito; pessoas, enfim, cada vez mais confusas e infelizes em sua trajetória atrás da tal felicidade.

Certamente, se esta fosse a época de Freud, este dedicaria alguns capítulos sobre essa estrada equivocada atrás da tão sonhada felicidade em sua obra Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana.

O filme Her, de Spike Jonze, não chega a explorar a questão da felicidade em si (apesar de isto acabar sendo uma consequência do roteiro), mas explora o nível extremo em que o ser humano pode chegar na dependência de suas máquinas em detrimento de uma relação empírica e que requer virtudes cada vez menos vistas, como paciência, altruísmo, diálogo e hombridade. Apesar de Her ser um grande longa-metragem e de Jonze ser um grande diretor, nas mãos de gente como Polanski certamente o lado sombrio desse assunto teria sido mais bem enfatizado. (O filme é uma dica a ser procurada, já que enfatiza o assunto abordado. Não é a intenção deste artigo dissertar sobre ele.)

Não obstante, o objetivo do filme foi alcançado com sucesso, isto é, foram mostradas as faces reais do comportamento humano perante o arrebatamento a que ele é acometido pela tecnologia que ele próprio criou.

Diante da vida contemporânea conturbada, que é ditada apenas por conquistas e status, é comum adultos virarem crianças amedrontadas que querem colo, e sua preparação para o mundo real, que é carregado de sinuosidades, é desconstruída à medida que sua carência exacerbada aumenta. Assim, a sociedade fica despreparada para lidar com embates reais, como a adversidade, a contra-argumentação, as negativas e os enfrentamentos, e já que a relação humana é muito baseada nisso, a saída é comprar um bicho de estimação, que estará sempre pronto a somente obedecer e amar incondicionalmente.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Esgotamento Permanente

Uma manhã de segunda-feira; “Estou cansada”, ouço soar de uma senhora. Por alguns instantes refleti acerca do que acabara de ouvir. E voltei às minhas atividades.

Horas depois, ainda estava sendo perseguido por uma voz que me dizia “estou cansada”. E aprofundei minha reflexão sobre a questão.

Estaria ela cansada da vida? Ou sentia apenas aquele cansaço momentâneo que nos atinge a todos durante os dias da semana?

Penso que ela quis sugerir apenas um cansaço fugaz que certamente se esvairia durante o aquecimento do dia. Contudo, obviamente naquela frase estava implícita uma questão mais profunda, e que, decerto, penso eu, a própria senhora não se deu conta.

Por que nos sentimos cansados numa segunda-feira? Admitindo, claro, que o fim de semana tenha sido destinado, tecnicamente, ao repouso.

Pois bem, o que o mundo pós-moderno nos proporcionou, acima de tudo, foi melhor qualidade de vida, em praticamente todos os sentidos, em relação a tempos remotos. Inclino-me a pensar que mesmo um mendigo tende a viver “melhor” que os mendigos de tempos de outrora (perturbador, eu sei). Mas neste artigo não vou discutir sociologia, já que haveria de responder a questionamentos do tipo “você pensa que a qualidade de vida é boa, por exemplo, para o povo sírio?” A esta indagação indigna responderei. Penso que não. Mas também, grosso modo, não é boa para ninguém. Considerar algo bom ou ruim só é possível se propusermos um parâmetro. Talvez a Síria esteja melhor que no século XVI, quando invadida pelo Império Otomano; talvez esteja melhor que quando este mesmo império perdeu sua jurisdição para os impérios britânico e francês durante a Primeira Guerra Mundial. No fim, tudo é questão de referência. Adiante.

A melhor qualidade de vida da sociedade pós-moderna a que me refiro – e não vou entrar no mérito da solidez dessa qualidade, como fez Bauman, que tratou do assunto com maestria –, acarreta também um alto custo. Para mantê-la é necessário vender o sangue ao sistema que a alimenta. A busca interminável pela felicidade tem seu preço: sua alma.

Somos jogados, quase sem escolha, num ciclo vicioso e devastador que nos tira a paz física e mental. Tente fugir deste sistema! Se não for vencido sumariamente, entrará em algum outro sistema, provavelmente o da selva, que deverá ser ainda pior. Assim, por pior que seja o ciclo no qual nos encontramos, é ainda o menos pior dos ciclos.

Para compensar o sangue que vendemos ao sistema durante nossa semana, nos sentimos obrigados a “aproveitar” o fruto deste sangue no fim de semana, e fazemos o impossível para alcançar a tal felicidade nos momentos deleitosos de folga, já que a semana na labuta nos aprisiona, e já que a “felicidade” é uma meta que se busca a qualquer custo. Compras são feitas, shoppings são visitados, parques são usados para conforto..., enfim, mil programas. E ao abrir os olhos, o fim de semana, que era uma ilusão almejada desde a segunda-feira anterior, findou, e a segunda chegou novamente para mais cinco ou seis dias de sangue jorrado. No geral, fica claro o medo que as pessoas têm de ficar sozinhas e enfrentarem a si mesmas. Dessa forma, procuram movimentos ininterruptos. Não há mais paciência para o "ócio", não há paciência para um livro de quinhentas páginas, não há paciência para um filme de três horas, não há paciência para aprender a tocar um instrumento dignamente, não há paciência para o autoconhecimento...

Por que eu ouvi, numa segunda-feira de manhã, uma reclamação de cansaço? Penso que a resposta já foi dada. Independentemente de ter vindo ou não de uma senhora com idade mais avançada (isso foi obra do acaso), aquele cansaço atinge também os jovens, visto que eles, da mesma maneira, estão inseridos no mesmo ciclo vicioso, todavia, numa pessoa de mais idade essa roda gigante já deu exageradas voltas.

Eu entendo o cansaço daquela senhora. Não sei, no entanto, se o sinto na mesma intensidade, já que cada qual possui limites distintos. Qual é seu limite, leitor? O que faz, tendo ciência dos fatos, para alterar tudo isso, tendo o incômodo como princípio?

Caso vivêssemos num mundo onde se pudesse sempre dizer o que se pensa, eu teria dito àquela senhora: Não há saída. Desista! Mas o mundo não funcionaria se as pessoas sempre dissessem o que pensam. A omissão é umas das forças motrizes dessa roda gigante viciosa e escravocrata, assim como a necessidade de depósito de fé que o sistema precisa impor à sua busca pela felicidade a todo custo, haja vista que é somente através de esperança que um ser consciente (em se autodestruir, como se o tempo já não fosse nos dar este presente) produzirá energia suficiente para fazer com que nossa imensa roda gigante continue a circular, ad aeternum, sobre o mesmo eixo.

domingo, 7 de maio de 2017

Amor: O Encosto dos Fracos

O amor sempre esteve associado à patologia, e, claramente, isto não mudou desde os tempos medievais, fase em que a literatura mais se ateve a estes assuntos. (Refiro-me aqui à relação conjugal.). Pathos: paixão, passagem, passividade, sofrimento.

Somos dependentes de outrem. No amor, as pessoas funcionam numa espécie de encantamento que tira o agente de si. Caso o amor não seja correspondido, o mundo acaba; por outro lado, se for, a dependência tende a aumentar, e seu mundo acaba da mesma maneira, visto que ele, seu mundo, torna-se o mundo do outro.

O mundo contemporâneo, através da genialidade de antepassados (e, claro, dos gênios também de nossas gerações, que poderão também ser chamados, num futuro, de “gênios de nossos antepassados”), proporcionou-nos uma vida mais prática, em comparação à vida de gerações passadas, entretanto, o que fizeram esses gênios se não destruir nosso mundo, à medida que esta praticidade nos fez mimados e carentes?

Na medida em que a média de vida humana aumenta (e está aí mais uma das genialidades humanas, mexer na própria mortalidade, ao passo que se consegue retardá-la), as pessoas não sabem o que fazer com tanto tempo, e destroem-se, e destroem-se umas às outras. É o ônus do ócio em demasia.

Fomos os escolhidos, à força do acaso, para viver a transição para esta realidade frenética. Ela mal começou, e já é possível notar as mentes cansadas, e querendo uma vida mais simples, como a dos antepassados, estes que nos deram (pensando que faziam o bem) esta vida insuportável.

As pessoas buscam uma vida mais singela, com menos vícios. A alimentação menos escravatória, o sedentarismo aos poucos sendo deixado de lado, bebidas e cigarros em menor intensidade... e o amor vivido em sua amplidão. Percebe, leitor?, a contradição que há nisso tudo? O maior dos vícios é superestimado, enquanto os demais são rechaçados.

Eu entendo, sim, que aquele que fala mal do amor é porque não passa de um fraco que se desiludiu em alguma medida. Contudo, a ilusão de uma vida perfeita, que é a busca da maioria, faz com que vivamos esta desilusão sem nos darmos conta de que ela nos acompanha no dia a dia. É a covardia vencendo a coragem às suas (suas, leitor) custas.

Veja que coisa linda. Uma moradia sendo paga em duzentos anos, com três filhos gritando pela casa e humilhando seus pais através de seus mimos, seis horas de trânsito num fim de semana para aproveitar uma praia lotada e fugir de uma realidade enquanto vive outra ainda pior...

A fuga de uma realidade X é a prova de que a vida que se foi escolhida não valeu a pena, e assim vamos nós fugindo das realidades que vamos escolhendo e vivendo.

Nossos avós, em termos gerais, viveram "felizes para sempre" porque não faziam parte de uma geração carente e mimada, ao menos não com a intensidade que vive nossa geração. (Falo, ainda, sobre relações conjugais. É óbvio que a qualidade de vida, segundo penso, melhorou através das gerações.)

"No fim valeu a pena?", perguntarão os apaixonados, num futuro. Suas respostas, se tomadas pelo devaneio e escravidão do amor, o que é bem provável, serão suspeitas.

Não escrevi este artigo, caro leitor, sugerindo que vivamos sozinhos para sempre, mas enquanto esta nova cultura do individualismo e carência em excesso não retroceder, o amor será apenas um encosto para os fracos.

domingo, 30 de abril de 2017

Banho de Sol

Assim somos nós a partir do momento da primeira abertura de olhos: covardes. Sem a consciência devida, assim permanecemos até um dia sairmos da escuridão, como alertou Platão. Nem todos saem, e desse modo vivem a sofrer as consequências da sobrevivência de forma menos dolorosa. E vivem como animais.

A consciência é o que nos diferencia dos demais seres que habitam esta terra. No fim, sabemos mais do que devemos e menos do que necessitamos, e isso apavora as mentes, já perturbadas, mundo afora.

Viemos parar aqui de forma acidental, e trazemos outros da mesma maneira, talvez por uma vingança inconsciente, talvez por um orgulho e mimo bobos de satisfazer nossos desejos.

A vida tem, sim, seus momentos de deleite, o que faz como que não ocorra um suicídio em massa. Contudo, esses momentos deleitosos seriam nada mais que um “presente” ilusório para nos manter presos onde estamos, já que é assim que o mundo funciona. Como seria este lugar caso fosse livre desses pecadores tontos escravizados pelo cotidiano?

Um presidiário possui algumas horas de sua penosa semana para refugiar-se frente ao sol que pouco vê. Seria essa uma decisão da lei para que ele não enlouqueça, não se mate, não mate a outros? “Tadinho”, pensam uns. “Morra!”, pensam outros. “Foda-se”, pensam terceiros, como eu. Entretanto, nossa vida não é muito diferente. Rejubilamo-nos nos parques, shoppings e praias (exceto eu), um dia da semana, para voltarmos vivos às nossas celas na segunda-feira seguinte. Os parques são nossos banhos de sol; nossa semana, nossa cela.

Religiosos são criticados por tentarem agir corretamente, segundo seus princípios, à espera de uma vida gloriosa futura. O que fazem esses críticos senão a mesma coisa? Ora, as pessoas, em grande parte das vezes, não deixam de agir contra seus instintos e vontades apenas para não sofrer as consequências das punições terrenas? A chance de ir parar numa prisão, por exemplo, caso ajam contra as leis, é bastante visível, mesmo que já fazem parte de uma prisão maior.

Religiosos, por outro lado, criticam os que não agem corretamente. E por que esperam um Salvador, já que são os próprios juízes?

Há sempre formas de tudo piorar, e há prisões dentro de prisões. Estamos interiorizados na prisão mor, dentro dela, há outras para aqueles que não agem de acordo com as regras impostas por esses prisioneiros primários; prisões e punições mais severas existem para aqueles que não agem de acordo com as regras da prisão secundária. E a prisão fim está instaurada na própria consciência humana, aquela consciência que nos faz ter ciência de que todos fazemos parte de uma prisão suprema. E tudo volta ao início do ciclo vicioso.

Aqueles, por fim, que estão presos apenas nessa prisão primária, que é o próprio mundo, sentem-se privilegiados, já que podem, diferentemente de outros presos, escolher como querem seu banho de sol.

quarta-feira, 1 de março de 2017

A cartilha modinha para músicos toscos

Grande parte dos músicos que se autodenominam de esquerda tem uma concepção tosca sobre o que é música (e também sobre o que é esquerda), e de como os músicos devem agir ou escolher seus repertórios. Isso tudo está mais evidente em jovens do século XXI, apesar de muitos “tiozões” das antigas abraçarem a ideia. E é claro que a ideia tem sido amplamente difundida nas mentes alheias.

Se um compositor popular, na visão dessa corja, dedicar seu trabalho a músicas pop, será considerado grosseiro. Na concepção imbecil desses revolucionários de araque, um violonista popular, por exemplo, só deve tocar Chico Buarque e afins, e uma banda, só deve tocar alternativo (outro nome tosco).

Estamos numa era em que o músico digno tem de seguir uma cartilha: usar barba mulambenta; usar cabelo com rabo de cavalo (se for cacheado, melhor ainda); ser frágil (no caso dos homens), e, no caso das mulheres, ser vigorosa; cantar com voz mole, no estilo Marcelo Camelo – no caso masculino –, e, no caso feminino, com voz no estilo Malu Magalhães (no caso dos homens, ainda, cai bem usar uns falsetes); as músicas têm de, preferencialmente, ter cunho político criticando qualquer coisa (mesmo que não faça sentido), exceto governos que eles dizem ser do povo, povo este que eles odeiam, diga-se de passagem, e que olham do salto que fica em cima de suas coberturas instauradas em zonas confortáveis cidades afora. Ah, sim, as músicas também serão bem aceitas se pregarem o amor universal e um mundo sem guerras. Viva Imagine!

É o que nosso mundo pequeno tem criado, e que fica muito mais evidente na área cultural, já que esses “artistas” são chatos e barulhentos: uma sociedade medíocre, sensível, melindrosa e que não aceita o sofrimento, que é inato na espécie humana. A música é, então, nada mais que um espelho da sociedade que deixaremos para nossos rebentos.

Nota: Deixei de fora o mundo lixo do sertanejo, que merece uma coluna à parte.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O comportamento do casal contemporâneo

É interessante pensar como funciona, na contemporaneidade, um relacionamento entre casal.

No amor contemporâneo, não pode haver ciúme, isto seria falta de confiança, motivo este suficiente para um rompimento.

No amor contemporâneo, não se pode duvidar do outro, seria, mais uma vez, falta de confiança.

No amor contemporâneo, não se pode dizer “não”, isto seria falta de apoio.

A sensibilidade exacerbada destrói casais. As pessoas, no decorrer dos anos, se enfraqueceram diante da vida. A rotina é muito frenética, é preciso sempre provar ser o melhor para poder sobreviver e para não ficar para trás. Tudo isso faz com que o mundo real crie pessoas fortes externamente, mas fracas espiritualmente. À medida que se conhece a intimidade das pessoas, elas abrem a porta de seu armário, e de lá sai toda a fraqueza e sensibilidade escondidas por detrás de um mundo que consome. E quem sofre com isso não é o chefe do trabalho, mas o parceiro da vida.

O mundo contemporâneo, através de todo o mercado consumidor, também criou pessoas mimadas e que demoram mais tempo para amadurecer, tendo como parâmetro as gerações passadas. E isto faz com que um simples “não” se torne uma briga épica.

No mundo contemporâneo, a realização dos desejos vem em primeiro lugar. Portanto, se o parceiro não aceitar a proposta do outro, significará falta de amor, de sensibilidade, de apoio e de companheirismo.

Quem não sentiria ciúme, por exemplo, de ouvir do namorado (a) que este sairá com uma amiga (o)? Esse mundo alternativo e liberal, neste nível, ainda é muito pequeno, quase inexistente. Mas no amor contemporâneo, este ciúme é inadmissível, significaria, mais uma vez, a falta da bendita confiança.

Quando se ama, não se deseja a felicidade do outro a qualquer custo, mas se deseja a felicidade do outro a seu lado.

A maior fraqueza contemporânea talvez não seja o risco de fracasso no trabalho, nem o desprezo dos amigos que vão ficando pelo passado, mas, sim, passar a vida fingindo que não sente ciúme, fingindo que confia no próximo, passar a vida dizendo “sim” para não passar a imagem de alguém que não é companheiro, passar a vida, por fim, enganando o próprio coração para fazer alguém feliz.

As pessoas têm medo de ser humanas, querem ser apenas uma máquina de agradar (mas agradar a sociedade), e isto as destrói. Não quero dizer com tudo isso que não se deva, para uma melhor vivência, lutar contra desejos maléficos, como o de querer exercer poder sobre alguém, mas apenas de que fingir que esses desejos não existem é lutar contra si mesmo.

A hipocrisia brasileira na era Trump

Trump renegou o acordo do Transpacífico, assim como Dilma renegou a ALCA, aqui nas Américas; Trump coibiu, temporariamente, a entrada de imigrantes de alguns países (islâmicos, por causa de terrorismo, e hispânicos, por causa de droga), assim como o Brasil fez, de forma genérica, com a Lei do Estrangeiro, de 1981, lei esta somente abolida com a nova Lei da Imigração (2016), criada por Aloysio Nunes (PSDB).

Nota 1: O México também tem suas fronteiras fechadas para os centro-americanos, mas reclamam dos EUA.

Petistas e afins (e agora toda a sociedade), ensandecidos com as medidas de Trump, não percebem que durante os mandatos Lula/Dilma fazia-se a mesma coisa no Brasil, tanto com os imigrantes, como com acordos internacionais.

O Brasil também já usufruiu de trabalho escravo; O Brasil também já tomou territórios; o Brasil perseguiu imigrantes clandestinos até pouco tempo; o Brasil também já massacrou em guerras.

Portanto, cuidado com alguns julgamentos.

E não, não votaria, se fosse o caso, em Trump, mas tampouco votaria em Hilary Clinton, adversária de Trump nas últimas eleições; brasileiros imaturos imaginam que os democratas são de esquerda. Pura inocência.

Não aprovo a maior parte das medidas de Trump, outras, como a de proibir financiamento a grupos pró-aborto, sim, mas minha intenção neste artigo é apenas apontar algumas hipocrisias por parte de pessoas que querem ter sua imagem bem aceita perante as redes sociais. Ser contra o Trump hoje em dia é como ser vegano ou andar de “bike”: faz bem para a imagem. A isso também sou contra!

Nota 2: Diga "bicicleta", e não "bike"!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Cidade feliz para espíritos infelizes

Fico um pouco cansado de ver que as discussões acerca do governo municipal de São Paulo, que mal se iniciou, se dão somente nos âmbitos secundários. É como se liberar grafites, ou manter a velocidade das marginais em X km. fossem resolver os problemas da cidade. Inclusive foi desses assuntos que o governo anterior se ocupou: principalmente demagogia cultural. Mundo afora, mexer com artista é um problema. É uma espécie melindrosa. Só não o são quando o partido vigente os agrada. Por exemplo, em 2002, não houve barulho algum quando Marta Suplicy fez praticamente os mesmos planos com a estética da cidade. Avante.

Uma cidade contemporânea não se constrói através de alusões a circos, isto se dá somente numa sociedade demagoga comandada por governantes demagogos. A classe artística é uma classe chata, uma classe que persegue, e não somente uma classe que é vítima de uma sociedade com uma educação aquém do aceitável.

Uma cidade contemporânea, ainda, se dá, acima de tudo, mediante serviços básicos de boa qualidade; o mínimo de poluição possível, seja ela visual, sonora ou do ar (já que todas, comprovadamente, fazem mal); arquitetura; conservação de patrimônio histórico, globalização em geral... Aqueles que querem uma cidade colorida precisam, antes de tudo, melhorar sua autoestima, mas isto já é da ala da psiquiatria.

A miscigenação, a consciência sobre a disparidade social, as várias tribos existentes cidade afora não se dão, nem principalmente deveriam se limitar, a ilustrações espalhadas pelas ruas; esta luta é pouco ambiciosa, e só faz aumentar algumas desigualdades: a elite tem sua arte e a periferia tem a sua. Este é mesmo um pensamento agregador?

O espaço público pertence a todos, e não a um coletivo ou a uma tribo. E o governante que monopolizá-lo ou entregá-lo a seus pares está sendo pouco republicano. Nem toda expressão é arte, e nem toda arte é democrática.

Pessoas que almejam uma cidade esteticamente “feliz”, a querem para atenuar seu espírito pobre, melancólico e infantil.