Sem que
percebamos, ou não, a tecnologia vem nos deixando mais preguiçosos.
A
palavra “tecnologia”, que provém do grego tekhnologia
(tekno+logos), significa conhecimento científico da técnica, que por sua
vez quer dizer toda influência do homem na natureza, como até mesmo o domínio
do fogo. Portanto, referir-se à tecnologia como sendo apenas a partir do século
XX é totalmente descabido. É preciso levar em conta, por outro lado, que a
partir da Revolução Industrial e da automação e de novos meios mecânicos, tudo
foi intensamente acentuado, até chegarmos à tecnologia digital contemporânea
com a qual lidamos hoje.
Essa
tecnologia atual, que é um avanço paulatino dado ao longo dos milênios, é ruim
então? Não, mas o uso dela está em nossas mãos. Hoje um homem de classe média
baixa vive melhor que um homem das altas classes do século XVIII, na
pré-Revolução Industrial. Hoje há transporte coletivo, TV em casa, celular,
filhos na escola, vacinas, contas no banco; hoje os empregados podem ter ações
das empresas nas quais trabalham (algo que Marx não previu em seus estudos);
hoje, mediante tudo isso, o ser humano vive mais. É claro que a Revolução
Industrial colocou muito poder na mão dos proprietários, como constatou David
Ricardo, e favoreceu absurdamente o aumento do aquecimento global, que já
ocorre há milênios, mas foi também graças a ela que hoje a mulher tem espaço
nos meios sociais e no campo profissional, graças a ela temos a maior parte das
coisas que temos hoje.
Como eu
disse, todo avanço é gradual. No século IV a.C. tivemos Platão; no século I
tivemos Jesus; na Idade Média tivemos o matemático Fibonacci; no século XVIII
Roger Bacon desenhou (mesmo sem poder fazer) o navio a vapor, o balão
aeróstato, o trem, o carro, o telescópio, entre outras coisas; o século XX teve
o avião, o computador, os satélites artificiais...
Por
outro lado, no entanto, nossa geração parece ter perdido o controle de toda
essa novidade, e tem exagerado na dose, e todo remédio em doses cavalares pode
levar à ruína.
Ir a
uma locadora junto à família num fim de semana para alugar um filme era um
ritual deslumbrante, e hoje nem mesmo se sai da cama para isso. Quase tudo
inclusive se pede a partir do aconchego: livros, comida, filmes, compras em
geral etc. Até para fazer um curso, hoje se opta por fazê-lo on-line. Nas escolas, os recursos
digitais vêm se tornando preponderantes. As crianças praticamente nem sequer
saem mais para brincar, quase tudo é movido por aparelhos eletrônicos. Quando
alguém resolve sair da redoma para, por exemplo, fazer uma corrida, já não se
consegue sem que esta seja movida por uma música ou um podcast: a perigosa necessidade de se estar o tempo todo distraído.
Com
todo esse dinamismo e imediatismo, perde-se a referência do processo, da
construção, da espera, da paciência... Fica difícil ir dormir acompanhado do
próprio eu, e enfrentar-se se tornou doloroso, é necessária a presença da
distração, seja da TV ou da vida virtual. Estamos nos tornando reféns da tecnologia
que chegou para nos libertar da precariedade. Estamos sendo sequestrados sem
que notemos, e nossa ruína é uma vida puramente insana. Como lidaremos, no
futuro, com atividades que exigem longa prática e paciência? Como aprimoraremos
nossa capacidade cognitiva, se hoje deixamos tudo nas mãos de um chip? São perguntas que deixo para
reflexão.