domingo, 27 de junho de 2021

Reféns das novas tecnologias

 

Sem que percebamos, ou não, a tecnologia vem nos deixando mais preguiçosos.

A palavra “tecnologia”, que provém do grego tekhnologia (tekno+logos), significa conhecimento científico da técnica, que por sua vez quer dizer toda influência do homem na natureza, como até mesmo o domínio do fogo. Portanto, referir-se à tecnologia como sendo apenas a partir do século XX é totalmente descabido. É preciso levar em conta, por outro lado, que a partir da Revolução Industrial e da automação e de novos meios mecânicos, tudo foi intensamente acentuado, até chegarmos à tecnologia digital contemporânea com a qual lidamos hoje.

Essa tecnologia atual, que é um avanço paulatino dado ao longo dos milênios, é ruim então? Não, mas o uso dela está em nossas mãos. Hoje um homem de classe média baixa vive melhor que um homem das altas classes do século XVIII, na pré-Revolução Industrial. Hoje há transporte coletivo, TV em casa, celular, filhos na escola, vacinas, contas no banco; hoje os empregados podem ter ações das empresas nas quais trabalham (algo que Marx não previu em seus estudos); hoje, mediante tudo isso, o ser humano vive mais. É claro que a Revolução Industrial colocou muito poder na mão dos proprietários, como constatou David Ricardo, e favoreceu absurdamente o aumento do aquecimento global, que já ocorre há milênios, mas foi também graças a ela que hoje a mulher tem espaço nos meios sociais e no campo profissional, graças a ela temos a maior parte das coisas que temos hoje.

Como eu disse, todo avanço é gradual. No século IV a.C. tivemos Platão; no século I tivemos Jesus; na Idade Média tivemos o matemático Fibonacci; no século XVIII Roger Bacon desenhou (mesmo sem poder fazer) o navio a vapor, o balão aeróstato, o trem, o carro, o telescópio, entre outras coisas; o século XX teve o avião, o computador, os satélites artificiais...

Por outro lado, no entanto, nossa geração parece ter perdido o controle de toda essa novidade, e tem exagerado na dose, e todo remédio em doses cavalares pode levar à ruína.  

Ir a uma locadora junto à família num fim de semana para alugar um filme era um ritual deslumbrante, e hoje nem mesmo se sai da cama para isso. Quase tudo inclusive se pede a partir do aconchego: livros, comida, filmes, compras em geral etc. Até para fazer um curso, hoje se opta por fazê-lo on-line. Nas escolas, os recursos digitais vêm se tornando preponderantes. As crianças praticamente nem sequer saem mais para brincar, quase tudo é movido por aparelhos eletrônicos. Quando alguém resolve sair da redoma para, por exemplo, fazer uma corrida, já não se consegue sem que esta seja movida por uma música ou um podcast: a perigosa necessidade de se estar o tempo todo distraído.

Com todo esse dinamismo e imediatismo, perde-se a referência do processo, da construção, da espera, da paciência... Fica difícil ir dormir acompanhado do próprio eu, e enfrentar-se se tornou doloroso, é necessária a presença da distração, seja da TV ou da vida virtual. Estamos nos tornando reféns da tecnologia que chegou para nos libertar da precariedade. Estamos sendo sequestrados sem que notemos, e nossa ruína é uma vida puramente insana. Como lidaremos, no futuro, com atividades que exigem longa prática e paciência? Como aprimoraremos nossa capacidade cognitiva, se hoje deixamos tudo nas mãos de um chip? São perguntas que deixo para reflexão.