quarta-feira, 26 de julho de 2017

Pets - A Solução de uma Alma Doente

A linha, que se tornou tênue, entre o real e o virtual tem sido muito explorada há tempos. A maior parte das vezes as análises vêm repletas de críticas pejorativas no que se refere à relação entre homem e máquina. No entanto, esses mesmos analistas não vivem sem a escravidão de seus smartphones. Eis a ambivalência injustificável.

É evidente que os avanços, inclusive os tecnológicos (e não vou entrar no mérito etimológico acerca da téchne), apresenta-nos uma ampla melhora na qualidade de vida. Entretanto, o êxtase no qual a sociedade vive com seus novos aparatos eletrônicos transformou-a numa sociedade perturbada e doente. A doença a qual me refiro não vem, obviamente, somente através dos meios eletrônicos escravocratas, mas de coisas muito mais profundas que tomaram o pensamento contemporâneo, como a busca a qualquer custo pela tão sonhada felicidade, o que torna a pessoa carente e sensível em demasia, fazendo com que, a partir disso, ela, a pessoa, fica intolerante com as adversidades inerentes em quaisquer corpos sociais e relações. Para ser feliz na realidade do século XXI, é necessário, grosso modo, ter reconhecimento alheio, e para isso se faz necessário o “ter”, cujo verbo necessita do sangue daquele que o deseja. Nessa busca, contudo, o custo é o ônus da alma e da serenidade.

É muito comum, nos dias hoje, avistar-se pessoas que preferem cachorros a seres humanos (aqueles que pensam ser inteligentes optam por gatos); pessoas que preferem um animal de estimação a filhos; pessoas numa busca incansável pelo parceiro perfeito; pessoas, enfim, cada vez mais confusas e infelizes em sua trajetória atrás da tal felicidade.

Certamente, se esta fosse a época de Freud, este dedicaria alguns capítulos sobre essa estrada equivocada atrás da tão sonhada felicidade em sua obra Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana.

O filme Her, de Spike Jonze, não chega a explorar a questão da felicidade em si (apesar de isto acabar sendo uma consequência do roteiro), mas explora o nível extremo em que o ser humano pode chegar na dependência de suas máquinas em detrimento de uma relação empírica e que requer virtudes cada vez menos vistas, como paciência, altruísmo, diálogo e hombridade. Apesar de Her ser um grande longa-metragem e de Jonze ser um grande diretor, nas mãos de gente como Polanski certamente o lado sombrio desse assunto teria sido mais bem enfatizado. (O filme é uma dica a ser procurada, já que enfatiza o assunto abordado. Não é a intenção deste artigo dissertar sobre ele.)

Não obstante, o objetivo do filme foi alcançado com sucesso, isto é, foram mostradas as faces reais do comportamento humano perante o arrebatamento a que ele é acometido pela tecnologia que ele próprio criou.

Diante da vida contemporânea conturbada, que é ditada apenas por conquistas e status, é comum adultos virarem crianças amedrontadas que querem colo, e sua preparação para o mundo real, que é carregado de sinuosidades, é desconstruída à medida que sua carência exacerbada aumenta. Assim, a sociedade fica despreparada para lidar com embates reais, como a adversidade, a contra-argumentação, as negativas e os enfrentamentos, e já que a relação humana é muito baseada nisso, a saída é comprar um bicho de estimação, que estará sempre pronto a somente obedecer e amar incondicionalmente.