terça-feira, 31 de março de 2020

A culpa não é do acaso

Ninguém será capaz de me convencer que a pandemia que assolou, e assola, o planeta não tem um culpado. Tem, sim! Se não for uma pessoa, é um país: a China, que agora, e somente agora, proibiu o comércio de animais selvagens para corte.

Assim como fui refutado quando sugeri à época que o Carnaval de São Paulo devia ser suspenso, refutaram-me também quando sugeri que o tal comércio de animais selvagens da China era o culpado por todo mal que hoje dizima sociedades mundo afora.

Os argumentos que jogaram sobre mim em ambas as questões foram basicamente os seguintes: “Por que cancelariam o Carnaval se não há nada acontecendo no Brasil?” E “A China não tem culpa, essas coisas não se controlam”.

Alguém em sã consciência duvida da alta globalização atualmente? Se duvida, talvez não haja argumento; se não duvida, por outro lado, então o argumento de que na época ainda não se tinha contágio no Brasil torna-se injustificável.

Quando se deu o Carnaval por aqui, o vírus já estava destruindo a China e já havia chegado à Europa. Era óbvio que seria apenas uma questão de tempo até se chegasse aqui. Sem mencionar o fato de que muitos estrangeiros participam dos carnavais de São Paulo. Mas infelizmente é necessário ter um mal já avançado para que medidas sejam tomadas. No país da festa e da algazarra, certamente haveria muita gritaria, caso a festa tivesse sido cancelada, e nenhum governante iria querer ficar mal perante sua sociedade em ano eleitoral. Muito bem, todos aproveitaram a festa, com o preço de agora estarem trancafiados como animais enjaulados.

Voltando à questão da China. Desastres, não naturais, controla-se, sim! Como não? Não foi a primeira vez que países, através de sua imprudência, disseminaram vírus mortais mundo afora. E o que aprenderam? Nada. Quantos milhões são gastos em vacinas? Quanto esforço é exigido na área da pesquisa? Tudo isso, em grande parte das vezes, para tentar consertar o mal que alguns países, através de sua cultura muitas vezes retrógrada, exporta. A Árabia Saudita ainda hoje cria dromedários, mesmo após o desastre que o Mers provocou; a China até hoje mantinha a insanidade de seus mercados, mesmo após tantas epidemias lançadas, como a Sars, em 2002.

Muitos, sobretudo os mais religiosos, pensam que esse vírus veio para nos ensinar algo. Não! O vírus veio porque um país foi irresponsável. E por que deveríamos acreditar que o tal vírus ensinará algo, se os outros não ensinaram? Talvez o último que tenha ensinado alguma coisa foi o da Gripe Espanhola, mas era outra sociedade, menos mimada e menos carente. E tenho minhas dúvidas se foi mesmo ele que ensinou algo ou se foi a Primeira Guerra Mundial ou a Crise de 1929.

Hoje os pesquisadores conseguem criar uma vacina em um ou dois anos, isso é sem dúvida um avanço descomunal, mas de que adianta, tudo isso, se por um lado há profissionais decentes trabalhando no mais alto nível, enquanto de outro, há países lutando contra a humanidade e desequilibrando a gangorra para baixo?

As pessoas não vão ficar mais próximas ou mais amáveis por causa dessa pandemia; as pessoas não vão ficar mais solidárias, nem vão ficar mais reflexivas, ou menos individualistas. O novo milênio entrou numa dinâmica sem volta. O mundo, já nos ensinaram as epidemias das últimas décadas, vai continuar o mesmo: em queda livre. Que não venham pandemias piores no futuro! Por toda experiência pregressa, tudo indica que virão.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Vigilância e Sensatez

O governo brasileiro, mais especificamente o Ministério da Saúde, assim como os governos estaduais e municipais, tem tomado medidas importantes contra o tal vírus que assola o globo. Entretanto, fica claro que as medidas sobre as quais estou falando deveriam ter sido tomadas antes. “Ah, mas antes não tinha como saber”, ou “Ah, mas antes não era tão grave”. O fato é que o bom líder deve estar sempre à frente, fazer um prognóstico decente e a partir disso tomar as medidas necessárias. No fim, elas foram tomadas de todo jeito. Antes, porém, tivessem sido adiantadas, talvez hoje o assolamento fosse menor.

O Carnaval, por exemplo, poderia ter sido repensado, por mais difícil que tivesse sido à época. Não o foi, muito provavelmente por questões financeiras. Todavia, o custo que a disseminação da doença está produzindo é infinitamente maior que o lucro da festa. Nenhum prefeito tentaria cancelar um dos principais eventos do ano em ano de eleição, sem um motivo forte. Existe um fenômeno intransponível na política que são as condições objetivas, isto é, sem infectados, sem cancelamentos. Mas uma análise rápida pode ser interessante.

O primeiro caso do vírus no Brasil foi confirmado no dia 26 de fevereiro, quarta-feira de Cinzas, em São Paulo, e por mais que já tivesse passado o incompreensível pré-Carnaval, ainda teriam o Carnaval (fim de semana seguinte ao do dia 26) e o também incompreensível pós-Carnaval. Vale lembrar, ainda, que quando houve a confirmação do primeiro caso, no dia 26, já tinham mais de cinquenta casos suspeitos. Mesmo que o tal caso confirmado não tivesse sido de contágio comunitário, já que foi importado da Itália, o alerta estava dado. No próprio dia 26, a Anvisa pediu a relação da lista de passageiros do voo em que o senhor diagnosticado com o vírus viajou. Era só uma questão de tempo para a doença se propagar na cidade de São Paulo e consequentemente no Brasil.

Na Itália, os dois primeiros casos surgiram no dia 30 de janeiro de 2020, e no dia 24 fevereiro, menos de um mês, portanto, e dois dias antes da primeira confirmação aqui em São Paulo, o país já tinha 224 casos confirmados. Eis o que disse nosso ministro da Saúde à época:

“Não sabe se por aqui o vírus acelera ou desacelera. Os vírus se comportam de forma diferente no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul. Esse é um vírus que surgiu em baixa temperatura. Pode não ter o mesmo comportamento. Pode ser para melhor ou para pior. O Brasil é um país de pessoas mais jovens e está no verão. Esse é um período pouco propício para um vírus respiratório por aqui”.

É claro que naquela fase tudo poderia ser um mistério por aqui, e hoje é fácil analisar. De toda forma, brincaram com a sorte e pagaram para ver. Como eu disse antes, o bom líder está sempre à frente. Hoje já são mais de 10 mil contaminados no mundo e mais de 224 mil pessoas infectadas.

Não quero dizer que se o Carnaval tivesse sido cancelado, hoje não teríamos o vírus circulando, mas cada medida ajuda, sobretudo em eventos de gigantesca aglomeração, e quanto mais se consegue retardar o andamento do infortúnio, menos chance de colapsar a saúde pública e a economia. O Carnaval foi em fevereiro de 2020, o vírus mortal está rodando o mundo desde o fim de 2019. Será mesmo que alguém duvidava que ele chegasse aqui cedo ou tarde, dada a alta globalização? Esperar para tomar medidas e pagar para ver é complicado quando o assunto é vida. Sempre tivemos o hábito de deixar para estudar para as provas escolares no dia anterior ao de sua aplicação, e isso reflete essa cultura no poder do país.

O ponto que toco não é do Carnaval em si, já que esse exemplo é só para ilustrar o fato de que por aqui, e talvez no resto do mundo também, as pessoas e as autoridades demoram demais para se prevenir. Há duas semanas foi sugerido ao governador de São Paulo fechar as escolas, ele deu risada. Na semana seguinte fechou; há uma semana foi sugerido a alguns amigos que cancelassem um evento que eles estavam organizando, eles chamaram de paranoico aqueles que fizeram a orientação, alguns dias depois o evento foi cancelado.

Não podemos negar o fato de que também é muito difícil convencer o ser humano, e aqui falo especificamente de nós brasileiros, a salvar a própria pele, e nesse caso ainda há uma agravante: se pensarmos individualmente prejudicamos a todos, já que vivemos em rede.

Muitos ignoram a gravidade do problema, e quando a notam, a doença já tomou proporções astronômicas. Tem havido certa tendência, que vem diminuindo à medida que as notícias ficam mais sérias, de certas pessoas rotularem os que se preocupam com toda essa situação de paranoicos, e é claro que ser egoísta e esgotar estoque de suprimentos ou de produtos de limpeza é pânico injustificável, mas o paranoico pode ser aquele que acha que tudo está tranquilo. O cidadão que acha que o tal vírus não é tão grave, é o mesmo cidadão que renega vacina, a ciência, o heliocentrismo etc.

Nem todos podem parar de trabalhar, é evidente; nem todos, aqui no Brasil, podem ficar em quarentena, já quem nem todos têm onde morar, e por isso cabe ao governo usar todo o seu poder para assessorar essa parte da economia e da subsistência do país, e ainda que seja indispensável sair de casa, que o faça só para o indispensável de fato. Mas o que vemos são bares repletos de gente, praias tomadas e circulação e encontros sociais desnecessários. Pessoas dessa natureza ignoram todos os dados científicos e orientações de órgãos competentes, e talvez quando se derem conta seja demasiado tarde.

É claro que aqui não cabe culpa. De todo modo, a reflexão se faz necessária. Somos tratados como infantis sem motivo, ou o somos de fato? Levanto a questão pelo simples motivo de diariamente haver algum especialista em saúde nos ensinando como lavar as mãos, assim como as professoras do ensino infantil ensinam suas crianças a escovar os dentes ou a amarrar os sapatos. Se nós, marmanjos, não sabemos como lavar as mãos, como podemos ter discernimento para eleger um presidente? Se precisamos de gente nos dizendo como fazer o mínimo, nos mostra óbvio o porquê de sempre voltarmos a eleger ditadores em alguma etapa da vida. Ainda que tais características também se apliquem a outros países, isso é muito acentuado no latino-americano. Se não tem gente nos dando ordem, nós não agimos, e mesmo que nos deem ordem, nós não a respeitamos. Análise esta para as ciências de comportamento humano.

O fato é, portanto, que estamos diante de uma crise extremamente grave. Arrisco-me a dizer que não passávamos por isso desde a gripe espanhola, excluindo a Segunda Guerra Mundial. E espero, também, que a Ásia um dia responda por sua irresponsabilidade sanitária (ainda que a imprensa japonesa alegue que o vírus se originou nos EUA), assim como a África, que também já exportou muito mal com tais doenças, apesar de ambos os continentes também terem sido vítimas, mas o foram por sua própria insensatez sanitária.

O Brasil e outros países do Ocidente, por fim, não estão isentos, já que o desflorestamento e outras questões, como a expansão agrícola, podem acarretar a soltura de muitas doenças. Há a suspeita, inclusive, de que a malária esteja de mãos dadas com o desmatamento. Sensatez não é paranoia (termo chulo usado para ofender). A sensatez pode, sim, salvar o mundo.

Para encerrar, toda essa situação pode ter chegado ao mundo por algum motivo mais abstrato. Nenhuma pandemia na história deixou o mundo e o comportamento das pessoas iguais em seu antes e depois. Esperemos que a humanidade, e mais especificamente seus líderes, aprenda algo com tudo isso.