O dodecafonismo está dentro das vanguardas do século XX, e é uma nova forma de se pensar música. Ele, por outro lado, não rompe totalmente com o passado, dado que na cabeça de Arnold Schönberg (1874-1951), o pioneiro desse método, o dodecafonismo seria a centralidade da tradição austro-germânica e a continuidade da tradição. Em pensamentos megalomanícos, chegava a dizer, como afirmou a pesquisadora Dorotea Kerr (Instituto de Artes da Unesp), que havia feito uma descoberta que garantiria a supremacia da música alemã por algumas centenas de anos.
Há
tempos, o tonalismo era a regra das composições. Mas com o passar do tempo,
alguns compositores começaram a questionar essa forma, a qual passaram a achar
que de alguma forma ela engessava as músicas e que talvez já estivesse se
esgotando. Dessa maneira, alguns compositores do Romantismo e também do
Impressionismo, como Wagner e Debussy, respectivamente, passaram a inserir em
suas obras pontos de cromatismo e fuga do tonalismo, o que abriu o precedente
para o atonalismo.
Pois
bem, o atonalismo, muito presente na escola do Expressionismo, era a
emancipação dos doze tons da escala, isto é, sua liberdade; a emancipação da
dissonância, portanto. Mas era complicado escrever grandes obras inteiras dessa
maneira, até porque o tonalismo ainda era muito forte, culturalmente falando,
e, diferentemente do tonalismo, o atonalismo não possuía leis, regras, não
havia regulamento para suas composições. O dodecafonismo, então, regulamenta essa
nova forma de se fazer música; procura agrupar os sons com lógica, com técnica.
O
dodecafonismo é, sintetizando, um método de compor - criado a partir de 1920,
aproximadamente - com os doze sons de nossa escala cromática, fazendo, contudo, com
esses sons não se relacionem entre si. Schönberg queria que esse método pudesse dar
conta, à vista disso, de compor nas grandes formas da tradição austro-germânica,
como sinfonia, sonata allegro, rondó etc.
Uma
das garantias de não se criar nenhum centro, ou algo que lembrasse o
sistema tonal, era não se enfatizar nenhuma nota, isto é, nenhuma nota poderia
se repetir até que aquela série de notas em questão terminasse e tivesse
passado por todas as notas da escala cromática. Essa série da qual falo era
construída para gerar melodia e também harmonia. Caso queira, leitor, ouvir algumas
dessas músicas de Schönberg, ouça “A Escada de Jacó”, uma de suas primeiras
composições nesse método, e a belíssima “Um Sobrevivente de Varsóvia”, esta de
1947, quatro anos antes de sua morte.
No
planejamento da peça dodecafônica, o compositor escolhia a ordem das notas sem
salto de oitava e sem repetir essas notas até que todas as da série tivessem sido
utilizadas, e, claro, não escrever nada que lembrasse uma tríade, ainda que
outros compositores desse método, como o austríaco Alban Berg, não respeitasse
tanto essa última regra. A partir disso, o compositor fazia tratamentos, com
essa série, de quatro maneiras. Diga-se, quatro séries. (para frente, “p”, de prime; para trás, “r”, de retrógrado;
inverter, “i”, de inversão, e o “ri”, retrógrado invertido). Essas músicas não
precisam necessariamente soar como uma melodia, nem podem conter intervalos que
ofereçam possibilidade de resolução, como no tonalismo. Perceba, leitor, que
compor no modo dodecafônico é extremamente complexo, sobretudo para quem possui sua cultura pautada no sistema tonal.
O
compositor poderia começar qualquer série em qualquer nota da escala. Tinha o
compositor, portanto, um quadro de notas de séries que poderiam ser feitas de
48 séries, a partir daquela original, ou seja, o autor tinha 48 possibilidades
de usar a série, já que são doze notas e quatro séries. As séries também podem
ser segmentadas de muitas maneiras diferentes, mas duas formas muito comuns são
a hexacorde (termo da Idade Média), divisão a cada seis notas, e a divisão
de quatro em quatro notas.
Como
aponta Dorotea Kerr, o uso de fazer inversão, retrógrado e retrógrado invertido vinha
de uma tradição, e não era, dessa maneira, uma total invenção de Schönberg. No
Renascimento havia motetos complexos fazendo cânones e cânones invertidos. O
próprio Bach utilizava muito desse jogo, desse exercício. Em outras palavras, não havia no
dodecafonismo absoluta ruptura com o passado.
Nas
séries, não obstante, faltavam ainda questões importantes que foram percebidas
posteriormente, como textura, timbres, ritmo e dinâmica. O Serialismo Integral,
movimento do pós-Segunda Guerra, então, integrou tudo isso nas séries
dodecafônicas. A textura poderia ser homofônica ou polifônica, e Schönberg –
que tinha muita admiração por Bach –, assim como Webern, utilizava a polifonia,
mantendo outro pé na tradição. Schönberg nunca chamou o dodecafonismo de
sistema, mas de método de composição. Sistema, segundo ele, era o próprio tonalismo, que Schönberg
jamais desprezou, muito pelo contrário, ele mesmo compôs muita coisa tonal,
mesmo depois do dodecafonismo. Schönberg, ainda, não aprovava o nome “atonal”,
o qual para ele não significava nada.
Algumas
críticas surgiram:
1.
As séries poderiam ser percebidas pelo ouvinte? Não poderiam, mas esta era a
intenção. Mas a crítica ia de encontro ao fato de o ouvinte não ser capaz de
entender, e de a composição ser muito cerebral e intelectual. Para quem vinha
da tradição romântica, essa composição mais cerebral não devia fazer mesmo
muito sentido.
2. Esse tipo de composição musical não fazia diferença nenhuma.
3. Era um ato mecânico e, portanto, qualquer um poderia fazer, caso dominasse essa técnica
de composição, bastaria conhecer as regras. A crítica considerava que a
inspiração e o talento morriam com o dodecafonismo, e que o jovem compositor não
mais precisaria conhecer nada além das novas regras. Para os adeptos do
dodecafonismo, porém, era preciso ter muito talento para conseguir transformar
essas regras numa música.
E
quais foram as influências de Schönberg nesse método?
1. Brahms – com a técnica da variação que Schönberg usava; o uso de frases assimétricas; o
uso do contraponto.
2. Mahler
– uso de timbres e orquestração.
3. Wagner
– fluidez harmônica, uso de cromatismo, melodias bem fluídas, ainda que
conclusivas.
4. Strauss
– cromatismo cada vez maior e mais aprimorado.
O
dodecafonismo era uma forma de compor que provia a lógica, a coerência e a
unidade, três fundamentos da música ocidental. O passado para Schönberg era algo
muito presente e tinha uma ligação bastante forte com a tradição. Inclusive Schönberg
nunca renegou a primazia do sistema tonal. Com tudo isso, os críticos da época
passaram a dizer que Schönberg estava reconhecendo que não era possível fugir
do tonalismo. O que talvez eles não tivessem entendido é que todas as criações
existem com base na história.
O dodecafonismo foi a base para o serialismo no pós-Segunda Guerra, e seus expoentes são: Babbit, Boulez e Stravinsky – que, por sua vez, em busca de uma nova vida após a Revolução Russa, morou no mesmo bairro de Schönberg, em Los Angeles (EUA), quando Schönberg fugiu do nazismo, em 1933. Ambos, todavia, nunca se encontraram.
Schönberg
criticava, ainda, a música nacionalista e a música neoclássica, como a de Bartók, já
que para ele, os compositores desse período não faziam um papel satisfatório quando criavam releituras de períodos anteriores, como o Barroco.
Essas
tendências de vanguarda do século XX, por fim, foram banidas no período do Nazismo, na
Alemanha, e também na União Soviética da época, uma vez que passou a ser considerada,
nessa fase, sinal de decadência ocidental. Como percebemos, apesar de sua
proibição, o dodecafonismo não morreu, mas, pelo contrário, criou novo fôlego
após a Segunda Guerra Mundial, como eu mencionei com o Serialismo Integrado,
mas também, por outro lado, não chegou, como percebemos atualmente, a virar uma
forma de composição de grande alcance. Poderíamos pensar em vários motivos para
isso, mas com certeza não foi porque essa nova forma de composição era ruim ou
fraca, longe disso, foi uma ideia genial.