O que fazemos nós senão
apenas conviver com hostilidade em meio a tanta desordem, com leves pinceladas,
admito, de alegria e de esperança, cujo único objetivo, no entanto, parece ser
nos manter lúcidos no fogo cruzado? Justiça seja feita, nossa contribuição para
o mencionado caos não pode ser desprezada. Envergonhe-se!
Sim, no meio das
pequenas doses de sorrisos largos que vez ou outra nos pega de surpresa, lá
estamos nós a pagar seu preço: cansaço, preocupação, esgotamento, insanidade
contínua, agitação, frustração..., para desfrutarmos, veja só, de alguns
momentos raros de júbilo. O custo-benefício dessa relação, admitamos, é
baixíssimo, e estamos nós sempre a avaliar que não aproveitamos bem nosso insólito
tempo livre. “Mas a vida é assim mesmo”, convencemos nossa pobre alma, que de
algum modo se acostumou com pouco, infelizmente.
Não me chame de
pessimista, este estereótipo também já se esgotou, por Deus! Quando se olha o
Sol aquecido lá no céu, o coração se alegra; quando se nota, por outro lado, o
prenúncio de uma tempestade inexpressiva e taciturna, esse mesmo coração se
retrai como uma flor que se esvai na seca de terras inférteis. Um ser cuja
placidez é subalterna do humor dos paradoxos da natureza não é o melhor juiz
para aferir, nem tampouco separar, o que é apenas uma constatação do real, de uma
melancolia patológica referendada por fatores que estão além de seu juízo. O
mundo está aí.
“De fato, o mundo
pós-moderno...”, concordariam justificando alguns convertidos, poucos. Não,
nossa era é apenas nossa era. Cada geração pôde vivenciar os meandros das
arrelias de seu tempo, e por uma razão bem simples: apesar da evolução cultural
das sociedades (e isso é apenas um ponto de vista categoricamente subjetivo), a
essência da alma segue firme em sua constante imobilidade. “Ame, o tempo
passa!”. Jamais me vendi às ideias pseudopoéticas que apenas destroem qualquer
espécie de cognição fina. Amar não é como vestir uma peça de roupa, não é,
portanto, uma escolha. Como expressar os sentimentos que se possui, sim, talvez
seja algo mais palatável para tal discussão, mas isso também está condicionado
a fatores que grande parte dos “poetas” do streaming
não compreende, como a natureza do próprio coração, a história de vida de cada
um e – por que não? – a resposta que se espera do mundo.
Não é possível ser feliz, mas apenas estar feliz, a felicidade é circunstancial. Somos seres completos no que se refere à individualidade, mas incompletos mediante nossos infinitos abismos internos. Talvez a percepção da realidade e, consequentemente, do mundo, seja também subjetiva, mas quando esta é tomada por um subterfúgio covarde ou uma clara ignorância do que se vê, os olhos da verdade ofuscam-se diante da própria ilusão.
Fazendo, por fim, uma breve analogia com a guerra da vida, o mundo é o campo minado e a felicidade é o passo que se dá sem a explosão. É muito pouco, afinal, mas essa é a dinâmica imutável da vida, não importa o quão avançamos, como sociedade, ao logo dos séculos. Pobre do ser que se deixa enganar pela doce ilusão da qualidade do irreal; pobre do ser, como eu, que vive o mundo concreto, ainda que esporadicamente tenha a alma ludibriada pelos olhos da fraqueza.