sábado, 21 de agosto de 2021

Doce ilusão

O que fazemos nós senão apenas conviver com hostilidade em meio a tanta desordem, com leves pinceladas, admito, de alegria e de esperança, cujo único objetivo, no entanto, parece ser nos manter lúcidos no fogo cruzado? Justiça seja feita, nossa contribuição para o mencionado caos não pode ser desprezada. Envergonhe-se!

Sim, no meio das pequenas doses de sorrisos largos que vez ou outra nos pega de surpresa, lá estamos nós a pagar seu preço: cansaço, preocupação, esgotamento, insanidade contínua, agitação, frustração..., para desfrutarmos, veja só, de alguns momentos raros de júbilo. O custo-benefício dessa relação, admitamos, é baixíssimo, e estamos nós sempre a avaliar que não aproveitamos bem nosso insólito tempo livre. “Mas a vida é assim mesmo”, convencemos nossa pobre alma, que de algum modo se acostumou com pouco, infelizmente.

Não me chame de pessimista, este estereótipo também já se esgotou, por Deus! Quando se olha o Sol aquecido lá no céu, o coração se alegra; quando se nota, por outro lado, o prenúncio de uma tempestade inexpressiva e taciturna, esse mesmo coração se retrai como uma flor que se esvai na seca de terras inférteis. Um ser cuja placidez é subalterna do humor dos paradoxos da natureza não é o melhor juiz para aferir, nem tampouco separar, o que é apenas uma constatação do real, de uma melancolia patológica referendada por fatores que estão além de seu juízo. O mundo está aí.

“De fato, o mundo pós-moderno...”, concordariam justificando alguns convertidos, poucos. Não, nossa era é apenas nossa era. Cada geração pôde vivenciar os meandros das arrelias de seu tempo, e por uma razão bem simples: apesar da evolução cultural das sociedades (e isso é apenas um ponto de vista categoricamente subjetivo), a essência da alma segue firme em sua constante imobilidade. “Ame, o tempo passa!”. Jamais me vendi às ideias pseudopoéticas que apenas destroem qualquer espécie de cognição fina. Amar não é como vestir uma peça de roupa, não é, portanto, uma escolha. Como expressar os sentimentos que se possui, sim, talvez seja algo mais palatável para tal discussão, mas isso também está condicionado a fatores que grande parte dos “poetas” do streaming não compreende, como a natureza do próprio coração, a história de vida de cada um e – por que não? – a resposta que se espera do mundo.

Não é possível ser feliz, mas apenas estar feliz, a felicidade é circunstancial. Somos seres completos no que se refere à individualidade, mas incompletos mediante nossos infinitos abismos internos. Talvez a percepção da realidade e, consequentemente, do mundo, seja também subjetiva, mas quando esta é tomada por um subterfúgio covarde ou uma clara ignorância do que se vê, os olhos da verdade ofuscam-se diante da própria ilusão. 

Fazendo, por fim, uma breve analogia com a guerra da vida, o mundo é o campo minado e a felicidade é o passo que se dá sem a explosão. É muito pouco, afinal, mas essa é a dinâmica imutável da vida, não importa o quão avançamos, como sociedade, ao logo dos séculos. Pobre do ser que se deixa enganar pela doce ilusão da qualidade do irreal; pobre do ser, como eu, que vive o mundo concreto, ainda que esporadicamente tenha a alma ludibriada pelos olhos da fraqueza.