domingo, 17 de julho de 2022

O dodecafonismo

 

O dodecafonismo está dentro das vanguardas do século XX, e é uma nova forma de se pensar música. Ele, por outro lado, não rompe totalmente com o passado, dado que na cabeça de Arnold Schönberg (1874-1951), o pioneiro desse método, o dodecafonismo seria a centralidade da tradição austro-germânica e a continuidade da tradição. Em pensamentos megalomanícos, chegava a dizer, como afirmou a pesquisadora Dorotea Kerr (Instituto de Artes da Unesp), que havia feito uma descoberta que garantiria a supremacia da música alemã por algumas centenas de anos.

Há tempos, o tonalismo era a regra das composições. Mas com o passar do tempo, alguns compositores começaram a questionar essa forma, a qual passaram a achar que de alguma forma ela engessava as músicas e que talvez já estivesse se esgotando. Dessa maneira, alguns compositores do Romantismo e também do Impressionismo, como Wagner e Debussy, respectivamente, passaram a inserir em suas obras pontos de cromatismo e fuga do tonalismo, o que abriu o precedente para o atonalismo.

Pois bem, o atonalismo, muito presente na escola do Expressionismo, era a emancipação dos doze tons da escala, isto é, sua liberdade; a emancipação da dissonância, portanto. Mas era complicado escrever grandes obras inteiras dessa maneira, até porque o tonalismo ainda era muito forte, culturalmente falando, e, diferentemente do tonalismo, o atonalismo não possuía leis, regras, não havia regulamento para suas composições. O dodecafonismo, então, regulamenta essa nova forma de se fazer música; procura agrupar os sons com lógica, com técnica.

O dodecafonismo é, sintetizando, um método de compor - criado a partir de 1920, aproximadamente - com os doze sons de nossa escala cromática, fazendo, contudo, com esses sons não se relacionem entre si. Schönberg queria que esse método pudesse dar conta, à vista disso, de compor nas grandes formas da tradição austro-germânica, como sinfonia, sonata allegro, rondó etc.

Uma das garantias de não se criar nenhum centro, ou algo que lembrasse o sistema tonal, era não se enfatizar nenhuma nota, isto é, nenhuma nota poderia se repetir até que aquela série de notas em questão terminasse e tivesse passado por todas as notas da escala cromática. Essa série da qual falo era construída para gerar melodia e também harmonia. Caso queira, leitor, ouvir algumas dessas músicas de Schönberg, ouça “A Escada de Jacó”, uma de suas primeiras composições nesse método, e a belíssima “Um Sobrevivente de Varsóvia”, esta de 1947, quatro anos antes de sua morte.

No planejamento da peça dodecafônica, o compositor escolhia a ordem das notas sem salto de oitava e sem repetir essas notas até que todas as da série tivessem sido utilizadas, e, claro, não escrever nada que lembrasse uma tríade, ainda que outros compositores desse método, como o austríaco Alban Berg, não respeitasse tanto essa última regra. A partir disso, o compositor fazia tratamentos, com essa série, de quatro maneiras. Diga-se, quatro séries. (para frente, “p”, de prime; para trás, “r”, de retrógrado; inverter, “i”, de inversão, e o “ri”, retrógrado invertido). Essas músicas não precisam necessariamente soar como uma melodia, nem podem conter intervalos que ofereçam possibilidade de resolução, como no tonalismo. Perceba, leitor, que compor no modo dodecafônico é extremamente complexo, sobretudo para quem possui sua cultura pautada no sistema tonal.

O compositor poderia começar qualquer série em qualquer nota da escala. Tinha o compositor, portanto, um quadro de notas de séries que poderiam ser feitas de 48 séries, a partir daquela original, ou seja, o autor tinha 48 possibilidades de usar a série, já que são doze notas e quatro séries. As séries também podem ser segmentadas de muitas maneiras diferentes, mas duas formas muito comuns são a hexacorde (termo da Idade Média), divisão a cada seis notas, e a divisão de quatro em quatro notas.

Como aponta Dorotea Kerr, o uso de fazer inversão, retrógrado e retrógrado invertido vinha de uma tradição, e não era, dessa maneira, uma total invenção de Schönberg. No Renascimento havia motetos complexos fazendo cânones e cânones invertidos. O próprio Bach utilizava muito desse jogo, desse exercício. Em outras palavras, não havia no dodecafonismo absoluta ruptura com o passado.

Nas séries, não obstante, faltavam ainda questões importantes que foram percebidas posteriormente, como textura, timbres, ritmo e dinâmica. O Serialismo Integral, movimento do pós-Segunda Guerra, então, integrou tudo isso nas séries dodecafônicas. A textura poderia ser homofônica ou polifônica, e Schönberg – que tinha muita admiração por Bach –, assim como Webern, utilizava a polifonia, mantendo outro pé na tradição. Schönberg nunca chamou o dodecafonismo de sistema, mas de método de composição. Sistema, segundo ele, era o próprio tonalismo, que Schönberg jamais desprezou, muito pelo contrário, ele mesmo compôs muita coisa tonal, mesmo depois do dodecafonismo. Schönberg, ainda, não aprovava o nome “atonal”, o qual para ele não significava nada.

Algumas críticas surgiram:

1. As séries poderiam ser percebidas pelo ouvinte? Não poderiam, mas esta era a intenção. Mas a crítica ia de encontro ao fato de o ouvinte não ser capaz de entender, e de a composição ser muito cerebral e intelectual. Para quem vinha da tradição romântica, essa composição mais cerebral não devia fazer mesmo muito sentido.

2. Esse tipo de composição musical não fazia diferença nenhuma.

3. Era um ato mecânico e, portanto, qualquer um poderia fazer, caso dominasse essa técnica de composição, bastaria conhecer as regras. A crítica considerava que a inspiração e o talento morriam com o dodecafonismo, e que o jovem compositor não mais precisaria conhecer nada além das novas regras. Para os adeptos do dodecafonismo, porém, era preciso ter muito talento para conseguir transformar essas regras numa música.

E quais foram as influências de Schönberg nesse método?

1. Brahms  com a técnica da variação que Schönberg usava; o uso de frases assimétricas; o uso do contraponto.

2. Mahler – uso de timbres e orquestração.

3. Wagner – fluidez harmônica, uso de cromatismo, melodias bem fluídas, ainda que conclusivas.

4. Strauss – cromatismo cada vez maior e mais aprimorado.

O dodecafonismo era uma forma de compor que provia a lógica, a coerência e a unidade, três fundamentos da música ocidental. O passado para Schönberg era algo muito presente e tinha uma ligação bastante forte com a tradição. Inclusive Schönberg nunca renegou a primazia do sistema tonal. Com tudo isso, os críticos da época passaram a dizer que Schönberg estava reconhecendo que não era possível fugir do tonalismo. O que talvez eles não tivessem entendido é que todas as criações existem com base na história. 

O dodecafonismo foi a base para o serialismo no pós-Segunda Guerra, e seus expoentes são: Babbit, Boulez e Stravinsky – que, por sua vez, em busca de uma nova vida após a Revolução Russa, morou no mesmo bairro de Schönberg, em Los Angeles (EUA), quando Schönberg fugiu do nazismo, em 1933. Ambos, todavia, nunca se encontraram.

Schönberg criticava, ainda, a música nacionalista e a música neoclássica, como a de Bartók, já que para ele, os compositores desse período não faziam um papel satisfatório quando criavam releituras de períodos anteriores, como o Barroco.

Essas tendências de vanguarda do século XX, por fim, foram banidas no período do Nazismo, na Alemanha, e também na União Soviética da época, uma vez que passou a ser considerada, nessa fase, sinal de decadência ocidental. Como percebemos, apesar de sua proibição, o dodecafonismo não morreu, mas, pelo contrário, criou novo fôlego após a Segunda Guerra Mundial, como eu mencionei com o Serialismo Integrado, mas também, por outro lado, não chegou, como percebemos atualmente, a virar uma forma de composição de grande alcance. Poderíamos pensar em vários motivos para isso, mas com certeza não foi porque essa nova forma de composição era ruim ou fraca, longe disso, foi uma ideia genial.