sábado, 9 de maio de 2020

Uma ideia na cabeça e...

Em tempos em que as notícias se espalham como praga de gafanhotos, nunca foi tão necessário a apuração e a depuração das tantas informações disponíveis. Analisar e conferir a procedência do que nos chega é como a leitura: um hábito que precisa ser criado e preservado. Associo este breve introito à leitura não por acaso, mas como uma orientação. A pessoa que lê, e aqui me refiro a coisas relevantes, possui mais know-how e segurança para decidir em quais notícias acreditar e quais notícias repassar; a pessoa que se prepara, ainda, terá mais discernimento em não criar produtos "fake" para atrasar ainda mais a vida de seu compatriota.

Com o rápido avanço da tecnologia digital e a expansão de smartphones, é comum vermos pessoas criando produtos audiovisuais diversos, às vezes até em demasia. O que pensaria Georges Méliès, que em sua época precisava pintar à mão cada frame (quadro) de suas filmagens para ter seus filmes coloridos, caso visse o destino que tomou o mercado audiovisual? Poderia ter uma boa avaliação, vendo a democratização da linguagem, como poderia ter um julgamento negativo, diante de tanto despreparo visto nas novas produções. A título de informação, à época de Méliès, cada segundo de filme tinha entre 16 e 20 frames. Hoje a taxa de frame rate (fps) é de 29.97 para vídeos digitais e de 24 para o cinema (23.976 precisamente).

Os smartphones não têm nada de "smart", apesar de algumas pessoas acharem que por ter uma câmera e um editor de vídeo disponíveis já seja suficiente. Não! Os equipamentos que utilizamos são burros, eles precisam de nosso comando. "Smart" precisamos ser nós, que temos a matéria-prima à nossa disposição. O que vamos fazer com ela é que determinará a qualidade do produto final. Não é porque um vídeo é caseiro que ele precisa ser ruim. As câmeras dos smarphones de hoje têm resoluções incomparavelmente maiores que as câmeras que Mèliés utilizava, e por que então as produções caseiras são incomparavelmente aquém das produções do mestre? É claro que ele em sua época tinha todo um arsenal por trás, mas ainda assim não acredito que se os tais novos produtores de vídeos de hoje tivessem a infraestrutura que tinha George Mèliés fariam coisas à mesma altura.

O que quero dizer, em síntese, é que, é claro que cuidados técnicos são determinantes - como mínima preocupação com o planejamento, com a iluminação, com o áudio, com a direção de arte e com tudo o que compõe o vídeo, portanto -, mas o mais importante é ter boas ideias, ter paciência, ter objetivo, ter criatividade, ter o que dizer de fato, e tudo isso só se consegue criando aquele know-how que tratei no início, isto é, lendo, assistindo boas produções, preparando-se ininterruptamente. Se uma câmera boa fosse acessório suficiente para boas produções, hoje teríamos dúzias de Méliès, Eisensteins, Griffiths, Bergmans etc.

Pense no que quis dizer Glauber Rocha quando falava que cinema se faz com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Trabalhe seu conhecimento, explore a cultura na qual está envolto, crie repertório, trabalhe sua criatividade, porque o restante você provavelmente já possui. Imagine o que faria George Mèliés com os equipamentos de gravação de hoje.

Com uma sociedade mais bem preparada, a gente certamente gastaria menos tempo com canalhas tentando a todo tempo nos enganar, e teríamos mais tempo para focar no que realmente nos é caro.

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