domingo, 17 de outubro de 2021

Joões e Josés

Aqui embaixo choram joões e josés,

e as rosas já não falam.

Choram cartolas

e as botinas da guerra da vida.

Aqui embaixo,

enquanto chegam as lágrimas ao peito,

outras já esperam sua vez.

E choram e se calam e se reprimem

porque são calados, porque são reprimidos,

esquecidos, ludibriados, traídos.

Ah, pessoas da sala de jantar,

entretidas, embora insatisfeitas,

a panis et circenses.

E aqui eu me defino, aqui,

embora insatisfeito, sob histórias e memórias,

sob Blanc, o Aldir, que um dia chorou

com as marias e as clarices,

de Fiel e de Herzog,

na terra de Henfil e dos joões e dos josés e

das marias, das clarices e das rosas.

E salas de jantares mundo afora,

domésticas e babás e mordomos e choferes

servem a quem está seguro em sua

comodidade e seu conforto,

enquanto aqui embaixo se pisa em campo minado

e vê-se apenas um doloroso fogo cruzado

de partidos, demagogos, populistas e canalhas

e ricos que lutam por preservar a sua riqueza,

e sua pureza? Ah, esta já se foi,

e o que sobrou foram uma educação tacanha,

uma fila inesgotável nos corredores da morte

de hospitais sem humanidade, um verdadeiro

salve-se quem puder,

enquanto ricos, líderes, demagogos, populistas e canalhas

deliciam-se com seus cabernets e seus banquetes,

às custas de uma democracia provinciana, vulgar,

às custas de quem apenas tenta sobreviver,

e é triste ver que isso basta para um sorriso,

um tanto tímido, é verdade,

um tanto retraído, um tanto esperançoso.

E quanto mais se luta, mais se regride,

segundo o entendimento da ilusão amarga que se retroalimenta em nós,

porque tantos não querem o progresso além do seu,

não querem a felicidade que nasce do chão,

o mesmo chão que pisam patrões com seus

sapatos de diamantes, e sobram quilates

e sobram escárnios e sobra fome e sobra miséria.

Mas nas datas comemorativas,

nós, os joões, josés, marias, rosas e clarices

somos homenageados.

Uns parabéns ao professor,

que não tem liberdade, nem apoio, nem dinheiro,

mas é seu dia;

uns parabéns ao artista,

que não vive de sua arte, já que precisa viver;

uns parabéns às mães e aos pais e aos avós,

que, em sua maioria, não têm o que comemorar;

uns parabéns à independência do Brasil,

cujos cidadãos não desfrutam dessa autonomia;

uns parabéns à natureza e à Amazônia,

que pouco a pouco se esvaem;

ao índio, ao preto, ao trabalhador, ao jornalista...,

que sorriem diante de tais parabéns,

mas que choram nos outros 364 dias do ano.

Minha repulsa, porém, ao artista que se cala,

que se esconde, que se fecha, ou que finge que não vê.

O medo que mata a alma mata o progresso

e mata o amor.

E como Sísifo, eu empurro uma pedra

montanha acima, apenas para ser esmagado

e ter roubada minha dignidade, meu orgulho,

mas parabéns ao professor, o sísifo contemporâneo.

E na roda-gigante da vida,

fez Drummond uma pergunta à la Platão,

fez Drummond a pergunta da vida:

“José, para onde?”

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