quarta-feira, 24 de maio de 2017

Esgotamento Permanente

Uma manhã de segunda-feira; “Estou cansada”, ouço soar de uma senhora. Por alguns instantes refleti acerca do que acabara de ouvir. E voltei às minhas atividades.

Horas depois, ainda estava sendo perseguido por uma voz que me dizia “estou cansada”. E aprofundei minha reflexão sobre a questão.

Estaria ela cansada da vida? Ou sentia apenas aquele cansaço momentâneo que nos atinge a todos durante os dias da semana?

Penso que ela quis sugerir apenas um cansaço fugaz que certamente se esvairia durante o aquecimento do dia. Contudo, obviamente naquela frase estava implícita uma questão mais profunda, e que, decerto, penso eu, a própria senhora não se deu conta.

Por que nos sentimos cansados numa segunda-feira? Admitindo, claro, que o fim de semana tenha sido destinado, tecnicamente, ao repouso.

Pois bem, o que o mundo pós-moderno nos proporcionou, acima de tudo, foi melhor qualidade de vida, em praticamente todos os sentidos, em relação a tempos remotos. Inclino-me a pensar que mesmo um mendigo tende a viver “melhor” que os mendigos de tempos de outrora (perturbador, eu sei). Mas neste artigo não vou discutir sociologia, já que haveria de responder a questionamentos do tipo “você pensa que a qualidade de vida é boa, por exemplo, para o povo sírio?” A esta indagação indigna responderei. Penso que não. Mas também, grosso modo, não é boa para ninguém. Considerar algo bom ou ruim só é possível se propusermos um parâmetro. Talvez a Síria esteja melhor que no século XVI, quando invadida pelo Império Otomano; talvez esteja melhor que quando este mesmo império perdeu sua jurisdição para os impérios britânico e francês durante a Primeira Guerra Mundial. No fim, tudo é questão de referência. Adiante.

A melhor qualidade de vida da sociedade pós-moderna a que me refiro – e não vou entrar no mérito da solidez dessa qualidade, como fez Bauman, que tratou do assunto com maestria –, acarreta também um alto custo. Para mantê-la é necessário vender o sangue ao sistema que a alimenta. A busca interminável pela felicidade tem seu preço: sua alma.

Somos jogados, quase sem escolha, num ciclo vicioso e devastador que nos tira a paz física e mental. Tente fugir deste sistema! Se não for vencido sumariamente, entrará em algum outro sistema, provavelmente o da selva, que deverá ser ainda pior. Assim, por pior que seja o ciclo no qual nos encontramos, é ainda o menos pior dos ciclos.

Para compensar o sangue que vendemos ao sistema durante nossa semana, nos sentimos obrigados a “aproveitar” o fruto deste sangue no fim de semana, e fazemos o impossível para alcançar a tal felicidade nos momentos deleitosos de folga, já que a semana na labuta nos aprisiona, e já que a “felicidade” é uma meta que se busca a qualquer custo. Compras são feitas, shoppings são visitados, parques são usados para conforto..., enfim, mil programas. E ao abrir os olhos, o fim de semana, que era uma ilusão almejada desde a segunda-feira anterior, findou, e a segunda chegou novamente para mais cinco ou seis dias de sangue jorrado. No geral, fica claro o medo que as pessoas têm de ficar sozinhas e enfrentarem a si mesmas. Dessa forma, procuram movimentos ininterruptos. Não há mais paciência para o "ócio", não há paciência para um livro de quinhentas páginas, não há paciência para um filme de três horas, não há paciência para aprender a tocar um instrumento dignamente, não há paciência para o autoconhecimento...

Por que eu ouvi, numa segunda-feira de manhã, uma reclamação de cansaço? Penso que a resposta já foi dada. Independentemente de ter vindo ou não de uma senhora com idade mais avançada (isso foi obra do acaso), aquele cansaço atinge também os jovens, visto que eles, da mesma maneira, estão inseridos no mesmo ciclo vicioso, todavia, numa pessoa de mais idade essa roda gigante já deu exageradas voltas.

Eu entendo o cansaço daquela senhora. Não sei, no entanto, se o sinto na mesma intensidade, já que cada qual possui limites distintos. Qual é seu limite, leitor? O que faz, tendo ciência dos fatos, para alterar tudo isso, tendo o incômodo como princípio?

Caso vivêssemos num mundo onde se pudesse sempre dizer o que se pensa, eu teria dito àquela senhora: Não há saída. Desista! Mas o mundo não funcionaria se as pessoas sempre dissessem o que pensam. A omissão é umas das forças motrizes dessa roda gigante viciosa e escravocrata, assim como a necessidade de depósito de fé que o sistema precisa impor à sua busca pela felicidade a todo custo, haja vista que é somente através de esperança que um ser consciente (em se autodestruir, como se o tempo já não fosse nos dar este presente) produzirá energia suficiente para fazer com que nossa imensa roda gigante continue a circular, ad aeternum, sobre o mesmo eixo.

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