domingo, 8 de outubro de 2017

Sertanejo - Uma Análise Crítica

O sertanejo é na verdade um gênero musical pobre e que nunca progrediu. A partir desta assertiva, alguns tolos sugestionarão que eu passe a observar algumas letras, que eles consideram maravilhosas. No entanto, não falo de letras, pois estas podem, obviamente, em vários momentos, dizer coisas plausíveis, como quaisquer outras canções. Vou me ater, portanto, à música e o que a ela está envolvido. Lembrando, já que muitas pessoas parecem não saber, que à união entre letra e música dá-se o nome de canção.

Ainda, não falo somente do chamado “universitário”, mas de todos eles (sertanejos), em suas diversas épocas. Aliás, a título de informação, o que hoje é chamado de sertanejo universitário, certamente não é sertanejo, é música brega (sem ironia), contudo, vamos tratar como sertanejo. Assim como, para estender o exemplo, o que hoje é chamado de funk, no Brasil, é, efetivamente, miami bass. No caso do sertanejo universitário, o título “sertanejo” soou melhor, comercialmente falando, que brega. À frente.

Há quem diga que não gosta do “universitário”, mas respeita o “raiz” e blá-blá-blá. Primeiramente, e já dito e explicado sobre o nome “sertanejo universitário”, “raiz” também não remete a Tonico e Tinoco, como todos pensam. Isso é mentira. Inclusive, essas duplas antigas, falsamente chamadas de raiz, foram as responsáveis pela criação dessas aberrações do fim do século XX e início do século XXI. Essas duplas contemporâneas só pioraram o que já era ruim, pois aquelas mais antigas, que se faça justiça, ao menos tinham variedade rítmica – como a guarânia, cateretê etc. – e alguma escola folclórica, além de terem, também, alguma razão existencial. As de hoje não possuem nada, nem ao menos personalidade.

O sertanejo, primeiramente, nasceu com total intuito comercial, a partir do fim da década de 1920, e um dos responsáveis foi o empresário Cornélio Pires (1884-1958). Sim, caro leitor, a dupla Tonico e Tinoco, para pegar uma das duplas mais conhecidas como exemplo, nasceu apenas para vender, e conseguiu, vendeu mais de 150 milhões de discos em sua carreira. Obviamente, outros gêneros também mantiveram foco comercial em sua existência, como o rock, mas este, como é notório, progrediu plausivelmente pelas décadas posteriores, vide suas tantas variantes. A diferença é que o rock não nasceu para vender, mas nasceu a partir do grito de um povo que veio à América como escravo. (Não me oponho ao comércio, apenas esclareço a prioridade. Amantes do sertanejo dizem que o gênero foi criado para mostrar a vida de um povo rural, interiorano, entretanto, nasceu, sim, com o intuito de vender este modo de vida.) É claro que o público consumidor também é responsável pela progressão de um gênero musical, à medida que possui mais ou menos sofisticação intelectual, característica que faltava ao público sertanejo da época (e, com certeza, ao de hoje, por isso, o gênero continua a não progredir). A indústria que produz cultura – nesse caso, artística –, transformando-a numa mercadoria, com a finalidade única de obter lucro, submete-se a uma lógica que passa a colonizar o inconsciente humano. Dessa forma, há a padronização a baixo nível formal e de conteúdo, domesticação do estilo, crescente divórcio entre a arte e o artista e entretenimento puramente. Horkheimer e Adorno – pensadores alemães do século XX, da Escola de Frankfurt na qual Horkheimer era diretor, autores da obra Dialética do Esclarecimento – diziam sobre a regressão do ouvido, isto é, de tanto se ouvir coisas ligeiras, como costumavam chamar, o ouvido domestica-se ao ruim.

Secundariamente, o sertanejo faz um uso quase ininterrupto de terças (consonâncias imperfeitas) paralelas, algo que deve ser evitado, segundo regras contrapontísticas. Essa característica talvez seja a que mais o empobreça musicalmente. Por ser um intervalo que, de certa forma, soava bem ao ouvido, houve um uso exacerbado, o qual, junto às melodias simplórias, agradava seu público. Por esse motivo, o sertanejo se acomodou naquilo que estava dando certo, e assim ficou através das décadas.

O que as pessoas erroneamente chamam de “raiz”, de raiz nada tem. Raiz de fato seria, por exemplo, todo o folclore, como Peixe Vivo, Cuitelinho, Prenda Minha etc.

Mário de Andrade, entre suas tantas atribuições, também era musicólogo, e ao viajar por este país afora pesquisando sobre a cultura nacional, jamais citou o sertanejo em suas notáveis pesquisas. Ou seja, caso esse gênero fosse tão distinto como as pessoas, no geral, dizem, Mário de Andrade, certamente, teria notado. As pessoas, aquelas que teoricamente possuem certo conhecimento, têm o hábito de criticar o “sertanejo” universitário, mas, ao mesmo tempo, exaltar o que elas chamam de sertanejo raiz. Contudo, suspeito de que isso se dê principalmente pelo politicamente correto, o qual tomou conta da contemporaneidade, pois soa bem criticar aquilo que vem de classes simplórias. Evidentemente, à medida que as coisas vão ficando para trás, a grande tendência é transformá-las em cult. Grande bobagem! Até o próprio axé, gênero que fez sucesso no fim dos anos de 1990, tornou-se cult por uma ala da sociedade. Em que planeta É o Tchan é tão menos apelativo assim que qualquer “funk” dos 2010?

O sertanejo antigo, apesar de expressar a vivência de um povo, é uma aberração musical, mas claramente a um nível mais elevado que o tal “sertanejo” contemporâneo, repleto de posers mimados que estão atrás apenas de status; são mais profissionais do entretenimento que da música. Este sertanejo sim é uma aberração em todas as suas dimensões.

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