sábado, 7 de julho de 2018

Bauman e Steinbeck – O Peso de uma Lágrima

A família Joad, de As Vinhas da Ira, obra de Steinbeck, é forçada a se mudar de suas terras, em Oklahoma, durante a grande depressão americana, em decorrência da seca, das dificuldades econômicas e da execução de dívidas pelos bancos. Dessa forma, a família vê-se obrigada, já que não havia outras opções, a pegar a estrada por dias a fio, sem quaisquer recursos ou perspectivas, em direção à Califórnia à procura de emprego.

Não precisaria externar aqui os tantos entraves que a família encontrou pelo caminho, dos mais simples, como o desconforto da viagem num caminhão carregado, ao mais grave, como a morte surgida no meio do trajeto. Entretanto, não se viu em nenhum momento inércia por parte do grupo em decorrência de sensibilidade à situação, lágrimas a esmo, ou desespero congelante.

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, alertou o mundo sobre o nascimento de uma sociedade líquida, que possui relações líquidas, isto é, tudo muda muito rapidamente, nada é feito para durar. Assim, eis o pensamento pós-moderno: “Mantenha-se num relacionamento enquanto este lhe der alguma satisfação, quando não der mais, troque por outro que a ofereça.” Estes são nossos tempos. A partir disso, resultariam questões como obsessão pelo corpo ideal; culto às celebridades; instabilidade nos relacionamentos, amorosos ou não; obcecação com a segurança etc.

Bauman nos diz ainda, ao tratar sobre a crescente intolerância ao sofrimento, que em uma vida regulada por mercados consumidores as pessoas passaram a acreditar que para cada problema há uma solução, e que esta solução pode ser comprada em uma loja.

Com tudo isso, vemos, grosso modo, uma sociedade apascentada em suaves melindres, em exigências que fariam um humano pré-histórico arrepender-se de ter contribuído com a procriação de sua espécie. Houve, à vista disso, no perpassar dos séculos, uma banalização, um empobrecimento no desenvolvimento daquilo que se chama emotional bond, os laços humanos.

Numa realidade em que a busca incansável e incessante pelo sucesso individual paira na mente das pessoas, e à medida que este triunfo nunca basta, a decepção é certa. Culturalmente nossa sociedade não mais está preparada para o fracasso, haja vista que o rumo que o mundo tomou não permite erros. No contexto líquido, alguém somente é aceito enquanto acerta. Nesta assertiva, certamente está planada um dos motivos de tanto aumento na medicalização psicotrópica infantil nos últimos anos.

Ao não saber lidar com a decepção, pessoas agarram-se em quaisquer postes para externar seu pranto, aproveitam cada oportunidade para chorar por motivos que ninguém imagina, depositam sua sensibilidade no primeiro ombro que aparece e buscam subterfúgios no primeiro olhar que a flecham.

Na lágrima que desce pela derrota do time de futebol do coração, por exemplo, estão implícitos muitos outros motivos; ao se chorar de emoção pela apresentação do filho no sarau do colégio está também o peso de toda uma vida; a criança, ao cair em choro compulsivo por cometer um leve deslize numa simples apresentação escolar, possui, nesta lamentação, toda uma pressão de aperto que não cabe num cérebro ainda tão imaturo; e alguém, ao se sensibilizar por um vídeo ou por uma foto, é tomado por várias outras emoções. De modo impreciso, nunca se chora apenas por uma derrota futebolística; nenhuma lágrima é apenas por ver o filho em cima do palco, e nenhum palco seria mau o suficiente para assistir as lágrimas de uma criança; nenhum pranto, por fim, reside isolado numa imagem ou num vídeo.

Ver o filho pequeno chorar porque o time pelo qual ele torce perdeu uma competição pode ser algo muito sério e talvez bastante profundo. Em outras palavras, pode ser muito mais que apenas lágrimas pelo time em si, e não deveria ser motivo de graça ou pena por parte dos pais; ver um adulto chorando pelo mesmo motivo pode ser algo ainda pior, pois já que um adulto é incapaz de se manter em equilíbrio, quando tomado por alegria, tristeza ou raiva, numa situação simplória como uma partida de futebol, o que esperar dele numa situação verdadeiramente desconsoladora, como a que a família Joad, de Steinbeck, viu-se obrigada a passar?

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