terça-feira, 10 de novembro de 2020

A saúde pública municipal

 

Aqueles que não possuem convênio médico, e que, portanto, estão nas mãos do serviço público de saúde, precisam ficar atentos a alguns pontos. (Num próximo artigo posso dissertar um pouco sobre o mal que os convênios exercem sobre o SUS, com o aval, infelizmente, do próprio governo, e como os convênios são usados para furar filas de quem depende do serviço público.)

Pois bem, são dois pontos que quero ponderar, deixando claro de antemão, porém, a importância do SUS em nosso país:

1- A saúde pública municipal (e aqui me atento ao município pelo fato de estarmos diante de eleições municipais) é privatizada. Então de quem é a culpa do mau funcionamento do serviço público? Do governo ou do setor privado? Muitos candidatos, que se dizem liberais (talvez sem nunca na vida terem lido Keynes) difamam o Estado e exaltam a iniciativa privada, sem se dar conta de que esta já está incrustada na vida do cidadão. Essas entidades privadas não constroem nada em benefício do cidadão, elas pegam tudo pronto. Isto é, o governo cria, e as tais entidades apenas chegam e sentam na janela para administrar o que já está pronto, muito porcamente, diga-se de passagem. Não sou contra qualquer iniciativa privada, veja bem. Empresa é criada para ter lucro, apesar de nesse caso ser sobras, e não lucros, já que essas entidades teoricamente não possuem fins lucrativos. O que eu critico aqui então é a mistura público-privada, refiro-me aqui às associações de direito privado e ao governo que permite essa mistura deletéria.

Jamais deveria ser permitido misturar público e privado, e os governos comentem um erro fatal ao entregar um serviço que deveria ser de sua única incumbência a entidades privadas que parecem somente almejar ganhos – apesar de, repito, teoricamente serem sem fins lucrativos – em cima da vida do mais vulnerável. O governo com isso lava as mãos e assina sua própria incompetência administrativa. O candidato que entrou lá, entrou para administrar, mas ao invés de cumprir seu papel de administrador, terceiriza sua função. Nesse caso, ambos, o público e o privado, são culpados, portanto! Sem contar que o serviço privatizado sai muito mais caro para o bolso do contribuinte do que se fosse apenas público, apesar de alguns políticos – que provavelmente faltaram nas aulas de matemática do ensino básico – dizerem ser mais barato. Não é!

Todo candidato da oposição desses supostos liberais, por outro lado, sempre critica a entrega dos equipamentos públicos à mão dessas associações que nada constroem, mas, de outro modo, quando eventualmente assumem um mandato, nenhum deles extirpa essas OSs (organizações sociais) de vez do serviço público. É como criticar a reeleição, mas se valer dela ao estar no cargo. Hipocrisia! Percebe, leitor, como está tudo errado, tanto o modus operandi do serviço público, como os candidatos das mais variadas vertentes em sua exagerada demagogia eleitoral?

 2- Para se conseguir um agendamento com um médico no serviço público (que na verdade é privado), a pessoa leva um tempo que às vezes ela não tem. Veja o processo:

Se for com um especialista, ela não pode agendar diretamente com ele, mas precisa conseguir antes passar com um clínico geral. Para isso, essa pessoa precisa ir até uma UBS tentar o agendamento com o tal clínico, ao chegar lá, muito possivelmente ouvirá que a agenda dos clínicos já está preenchida, e que, portanto, ela precisa aguardar até a próxima abertura, que geralmente acontece uma vez por mês. A pessoa então tem de retornar à UBS na data sugerida, mas precisa chegar o mais cedo possível, uma vez que a agenda é preenchida em poucas horas, e depois só no mês seguinte de novo. (Claro que sempre é possível entrar na fila de espera de desistência, mas veja a humilhação.)  

Pois bem, se a pessoa der sorte e conseguir uma data com o clínico geral, não será para tão breve. Então no dia da consulta ela vai até o posto de saúde e passa com o médico, que aí sim lhe dará um encaminhamento (uma espécie de aval) para o tal especialista. O paciente então, com o encaminhamento em mãos, vai até uma sala apresentá-lo a uma pessoa responsável, que verá se há ou não vaga em alguma unidade de saúde da cidade (isto se não a mandarem diretamente até uma dessas unidades tentar a sorte diretamente). Se, porventura, e com sorte, houver uma vaga disponível, muito raramente será próximo de sua casa e numa data próxima.

Chegou o dia da consulta, o paciente vai até a unidade de saúde para sua consulta. O especialista possivelmente vai pedir um exame. O paciente pega o pedido, vai até a recepção e lá tenta a sorte de ter uma vaga para fazer o tal exame. Muito provavelmente não será perto de sua casa, nem para tão já. No dia do exame, ele o faz, mas o resultado só pegará dali a alguns bons dias. Com o resultado em mãos, enfim, ele precisa ainda marcar retorno com o especialista para que este o analise. Dali em diante pode ser tudo muito relativo.

Caro leitor, acompanhou a saga e a humilhação do paciente?

Para finalizar, eu deixo alguns pontos para análise, sem quaisquer acusações.  

1- No convênio médico, a pessoa consegue marcar consulta com um especialista com apenas um clique, possivelmente para o dia seguinte e bem próximo de sua casa. A vida é muito mais fácil, portanto. Questão: há alguém do setor privado incrustado no governo e boicotando o serviço público para obrigar as pessoas a assinarem com um convênio médico? A mesma pergunta serve para o setor da educação. E aqui todo mundo sabe a força do lobby.

2- As associações que assumem a tal terceirização pública dão um atendimento humilhante às pessoas de propósito para obrigá-las a procurar um serviço privado? Muitas vezes no consultório particular dos próprios médicos?

3- Os políticos, pessoal ou partidariamente, que entregam as pessoas na mão dessas entidades têm contrapartida dos responsáveis por elas?

4- Por que alguém iria querer pegar uma UBS para administrar, sabendo a encrenca que é lidar com saúde pública? Qual é o acordo sedutor feito entre as associações e o governo?

5- Quais são os termos obscuros nesses editais? Ou será só um aperto de mão?

6- Por que a saúde pública e seu atendimento nunca têm uma melhora significativa?

Se você notar, caro leitor, em todo debate de eleição municipal, a saúde é um assunto importante, e todos eles, de todas as vertentes ideológicas, acusam o oponente pelos maus serviços e prometem melhorar a saúde pública, das mais variadas formas possíveis. Um diz que vai tornar os postos de saúde 24 horas, o outro diz que vai zerar a fila de exame, o outro vai ampliar ou encerrar a parceria com o setor privado etc. Mas o ponto é que nunca nada avança substancialmente, e cada um deles quando precisa de um médico vai a hospitais privados caros, que, diga-se de passagem, também têm acordos grandes com o governo. Possivelmente, nenhum desses agentes públicos conhece a saúde pública de fato, e devem rir de nossa cara em seus domingos de sol na piscina de seus seguros condomínios.

E agora vem a pergunta final.

Quem é mais canalha nessa história toda?

 

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